"i tre tragici atti" por Pedro d'outrora.

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1° ato: por fome ou sede, desfaleci no tronco arbóreo dos teus olhos.

não é uma história romântica. ela não terminou em meus braços, muito menos derramada em meus lençóis como uma orquídea após a tempestade violenta. falarei sobre o comportamento epífito meu para com ela; a ironia da dança entre flores, sim? já que a epífita devia ser a orquídea. e é. mas não em mim. temos um Virgílio!

chega cortante pelos ventos de minha amada, em seu grito há metade do nome arrebentada em carinho. nome dela. nome músico que me escorrega pela língua. por minha língua. Virgílio crava-se entre aquela que eu imaginava como musa e meus cadernos de folhas soltas e enfia-lhe a espada ao peito. pergunto-a se o corte dói e ela responde, delirante, que nada dói tanto quanto entregar pérolas esperando o ouro que as adornaria — queria que tu soubesses, minha cara, que imagino o que sentes, mas jamais deixei que tu me apunhalasse tantas vezes quanto tu deixas o falsário em pele d'anjo.

2° ato: paixão tão esvanecente quanto areia fina.

quantos são os que te marcaram, mulher? decerto, dentre os dedos melados dos amantes, foi-lhe manchando com todas as pompas de amores simples a tinta da basicidade intelectual. quanto ao merecimento, atenho-me a discussão. lembro-me dos cachos descendo-lhe as costas nuas e imagino o escárnio para o qual todos os poetas olharam sua fuga inútil de todo o blasé que nos rodeia. os poetas que não masturbaram tanto a mente para escrever-lhe decentemente; não julgo meus colegas d' ofício também. és tão musa quanto a réplica escultural da musa dos quadros.

em resposta as lamúrias, dei-te as soluções que deverias estar a procurar. e perguntavas, às vezes. porém não eram as respostas que tu querias que eu te dava e, por Deus, das virtudes que me cobriram na manjedoura, nenhuma era a da paciência — principalmente por aquilo que desejava incessantemente desejando outro. não me entenda mal, nunca me pus como avesso ao pecado; pelo contrário, mergulhei na inveja, luxúria e ira como se fossem o riacho mais belo. são partes de mim. não me arrancaria um membro tal qual não me arrancaria um pecado da alma. alma límpida, não como meus olhos já turvos de raiva, mas como os teus de esperança. curioso quando quem tenta esconder toda a ingenuidade intrínseca é tu.

3° ato: perdoe-me a dívida que deixei em teu caminho, mas não a esqueça.

pelos caminhos nos deparamos com delírios deveras devaneantes e deliciosos para que escapemos e minha idolatria por ti fora um desses casos. apaixonei-me há dois pares de anos atrás por alguém que, sim, despertara-me o amor poeta. na sutileza dos nossos escritos trocados e da minha inocência, defloraram a última boa coisa que ainda tinha neste homem que vos fala. estraçalharam-me com a indecência dos homens boêmios e ali fiquei. e estou. dandy até o tutano, tornei-me um dos homens esvanecidos das noites em claro. tal introdução só explica o quão próximo de sonho estavas; não havia nada divino em teus modos. nem devia haver, mas eu esbravejava paixão pela mais bela opala e não eras mais que diamante — previsível como tal. não me perdoo. não me zango com o que fiz há dez minutos. não te amei, nem musa tu eras. mas é o que homens de promessas como eu fazem: põem-te como poema e o rasgam por não servirem. por isso, somente, peço-te perdão. não mudarei, porém, prometo.

eras dantesca, minha cara, mas não além do sonho d'um carente marcado por mágoas do abandono olimpiano. e musa não fostes nem pelo maldito milésimo de segundo em que meus olhos bateram em tua silhueta; a musa eu desenhei em minhas loucuras. escrevi sobre ela. quis derramar-me nas pétalas macias da poetisa que inventei para mim com tua fisionomia. pelo transtorno causado também não peço perdão. dei-te poemas e tu me destes imagem às fantasias perdidas. nosso esbarrão foi uma obra cinematográfica em minha mente, mas nada além disso. nada além do teu corpo desenhado em meu diário e dos textos que te descrevem em um pedestal para minha adoração. nada além de Abelardo declamando amor a uma amada que não era, de fato, quem ele amava.

carpe noctemWhere stories live. Discover now