Seca de 1928

15 2 1
                                    

ㅡ E isso aqui é vida? ㅡ seguia reclamando Damasceno durante uma tarde escaldante, após voltar da roça de milho, trazendo, e abrindo diante de Simelia, uma miúda espiga seca e mirrada.

ㅡ É a nossa vida, homem! ㅡ deixa aí os milhos que dá pra pisar no pilão e cozinhar no leite mais tarde.

ㅡ E mungunzá é comida de homem trabalhador, mulé? Tu só pensa em dá 'di cume' a esse menino, mas quem trabalha em casa passa fome. Vou logo é mimbora dessa desgraça de terra!

ㅡ Para com essa conversa, Damasceno! ㅡ repreendeu Simélia ㅡ Passar fome por passar, eu passo aqui, e não em São Paulo! ㅡ disse ela.

ㅡ Lá o que mais tem é serviço pra quem quer trabalhar, Simélia! Não fala besteira não. Morrer de fome a gente vai é aqui, nesse lugar 'véi' seco e miserável. Nem chover nessa terra chove mais. Isso é lugar de gente viver?

Ô Meu nego, aquieta esse coração ㅡ disse Simelia com voz suave ㅡ aqui a gente tem nossa rocinha que dá pouco, mas dá alguma coisinha. Logo vem a invernada, se Deus quiser, vai chover e tudo vai ficar verdinho bem ligeiro. Vai ter água, e a gente pode inté ter mais um 'fí'!

ㅡ Deixe de xamego e conversa errada! Eu aqui tendo uma conversa séria e tu de fulerage. E outra, tu casasse comigo não foi pra me dizer o que fazer, não! Tenha vergonha e me respeite! - disse Damasceno com toda sua grosseria ㅡ Não tô pedindo tua opinião. Tô dizendo que a gente vai e pronto!

Simelia, moça sertaneja, criada para agradar o marido, se aquietou inconformada.

ㅡ E vê logo de deixar esse menino lá com Célia e com o véi teu pai. O que ele mais faz é dizer que eu sou um sem futuro? 'Apois' então se ele criar esse menino, assim ele salva esse feto de ser igual ao pai! Não é isso que teu véi Cantarino pensa?

ㅡ Esse feto? Esse menino? Tu repara no jeito que fala do nosso filho? Esse menino é o NOSSO FILHO! E eu nunca vou deixar MEU FILHO para trás! Nunca! ㅡ disse Simelia profundamente inconformada

ㅡVai deixar! Vai deixar, sim senhora ㅡ esbravejou furioso ㅡ E não me desafie não, rapariga! ㅡ gritou enfurecido dando um tapa sobre a mesa ㅡ Não dá pra levar; pra adulto já tá difícil... mais pra frente, quem sabe quando a gente enricar por lá, a gente até volta pra buscar ele!

ㅡ Ele quem? ㅡ indagou Simélia constenada

***Quebra-Pedra***

"São Paulo e Rio, esperança de muitos nordestinos. Terra do ouro, do dinheiro, mas também terra da angústia, da solidão, da tristeza e do arrependimento. Quem desce para o sul e se dá bem faz festa, faz dinheiro e por lá mesmo fica; e ainda faz de sua casa ponto de chegada de mais gente esperançosa"

- Nonato Moreira

Quebra-PedraWhere stories live. Discover now