paciente [O2]

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Oh, espero que algum dia eu consiga sair daqui.
Mesmo que demore a noite toda ou cem anos.
Preciso de um lugar para me esconder, mas não consigo encontrar nenhum por perto.
Quero me sentir vivo, lá fora não consigo enfrentar meu medo.

Lovely – Billie Eilish e Khalid

PACIENTE [O2]
[ Cailin ]

Contemplo o sol que inunda meu quarto, parecendo pintar minhas paredes e mudar as cores de meus móveis. Me aqueço em sua quentura e com afeto lhe retribuo ternura. Deixo-me afundar nas ondas calmas de meu lençol cor de rosa e nado pelas madeixas embaraçadas do meu cabelo expostas em meu colchão. Tudo estava no mais perfeito equilíbrio.

— Cailin! — minha porta é escancarada e bate na parede com força. Posso sentir minha paz se esvair de meu corpo sem nem tempo de me dar um adeus.

Eu já sabia o que me esperava.

Sento na cama logo de imediato. O suor excessivo e a aceleração do meu coração impedem minha milésima inútil tentativa de dormir. Minhas memórias insistem em penetrar meus sonhos em todas as noites. Me pergunto o que realmente foi verdade, mas já não sou capaz de desvendar isso. Minha mente não é a mesma de antes.

Levanto da cama tentando não fazer muito barulho. Meus pelos se eriçam desde o momento em que meus pés tocam o chão gelado. Diferente do meu sonho, o clima daquele dia era completamente o oposto. Me aproximo de umas das poucas janelas que tinha naquele quarto, sendo recebida logo de imediato por um raio. Sua luz me faz observar meu reflexo quase nulo no vidro da janela. Meu cabelo estava maior do que antes e embolado como sempre, minhas olheiras eram consequências das noites mal dormidas, minhas bochechas pareciam ter desaparecido e minha magreza era mais que evidente.

Eu já não me reconhecia mais. Há meses.

Não demorou muito para que as gotas fortes de chuva tocassem o chão. Os barulhos dos trovões aterrorizam as pacientes daquela ala e se torna impossível conseguir dormir com os inúmeros choros e gritos. Todos os hospitais psiquiátricos devidamente corretos construiriam quartos individuais para os pacientes. É uma questão de senso. Não é certo colocar dois ou mais pacientes com transtornos diferentes para dividir o mesmo quarto. Aqui, eu e mais nove pacientes dividimos. É o verdadeiro caos. Pelo menos éramos todas mulheres.

Já cheguei na concepção de que os pacientes desse hospital foram literalmente colocados aqui para serem esquecidos. A estrutura desse hospital e os tratamentos dados a eles é uma verdadeira perturbação e aposto que esse hospital nunca recebeu uma autorização para ser aberto. Acredito que ele seja bem escondido e que todos envolvidos nessa grande piada está agindo na encolha.

Não consigo chegar muito longe em minhas hipóteses porque nem mesmo sei onde estou. Os remédios que me forçam a tomar me fazem esquecer de muitas coisas e minhas lembranças se tornam vagas.

Às vezes, acho que realmente estou louca.

— Silêncio! — um dos guardas grita pelas grades, me fazendo pular de susto. Ele foi completamente ignorado. As pacientes choram e gritam numa confusão de vozes. Era assim toda noite que chovia. Logo ele iria se estressar e fazer uso de seu cassetete de forma mais brutal possível. Eu não queria ver aquilo. Não novamente.

Me afasto da janela e tento acalmar as mais descontroladas usando métodos que eu ainda conseguia me lembrar. Métodos que fizeram parte de todo um estudo em minha vida que hoje só lembro da metade. Já me lamentei bastante por isso e eu sei que ainda haveriam dias em que eu chorarei mais uma vez por isso, mas agora não era o momento. Consigo ajuda de pacientes com transtornos em níveis não tão graves, e pouco a pouco nos ajudamos. Era isso ou um mar de sangue. Aos poucos, com a calmaria da chuva, o quarto volta a ter seu silêncio.

Pyromaniac - 2ª temporada [myg] - em hiatusWhere stories live. Discover now