Capítulo 8 - Zacusca com Neve

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Elena

Alis revirou os olhos. Eu não fiquei surpresa, era comum os irmãos Ferche se desentenderem; ela com seu espírito independente e ele com sua mania de ser superprotetor. Ali tinha razão nisso, já era crescida e sabia se virar, porém, eu também entendia Nicolae. Querendo ou não, "Nova" Bucareste tinha monstros à solta por aí. Monstros esses que comandavam.

De qualquer forma, não quis me intrometer. Sabia muito bem como era discussão de irmãos.

Espiei a mão da garota de relance, para então segurá-la. Era inevitável perceber como meu melhor amigo ainda se acostumava com aquilo — sua irmã e eu namorarem, mesmo há algum tempo.

Mas eu não podia evitar. A saudade bateu, e ele conseguiria segurar as pontas.

Foi aí que percebi algo.

— Que isso? — levantei o braço direito de Alis, para ver melhor o tecido branco enrolado no pulso abaixo de sua manga.

Ela se retraiu de dor.

— Não é nada.

— Foi mordida — acompanhei-a, que apertou o passo para fugir dos questionamentos.

— Eu não me lembro — a voz dela tremulou. — Você sabe... nunca me lembro.

Seus olhos ficaram marejados, a expressão era de confusão e raiva. Já Nicolae, murmurou palavras impronunciáveis, somadas com grunhidos.

Seguimos mudos pelo trajeto. Só depois de entrar no próprio quarto e sentar na cama que ela desembuchou; soltou com tudo, como se estivesse mantendo aquilo para si por muito e muito tempo.

— Eu odeio não me lembrar de nada.

Retirando o cachecol, Ali tremia dos pés à cabeça. Seus olhos negros vertiam lágrimas, inquietos, pensando no que poderia ter acontecido nesse meio tempo. Não era preciso conhecê-la bem para notar o turbilhão em sua mente, era sincera até em suas emoções.

Ela isolou o tecido na cama.

— É tão assustador — a fala embargada veio seguida de choro, um choro desesperado e silencioso. De olhos fechados, ela tampou o rosto como sempre fazia.

Alis vivia me dizendo que as chances de ser mordida eram mínimas. Repetia e repetia que ficava no castelo só por seis meses e escolherem logo ela era improvável. Até onde seu desejo de independência iria? Poderia ter morrido, se quisessem.

Eu queria espernear. Eu odiava o fato de nossas vidas estarem nas mãos daqueles monstrengos insensíveis. Odiava tanto o fato da vida de minha namorada estar naquelas mãos asquerosas.

Consolei minha amada, com coração pesado, puxando-a para perto. O abraço foi longo, não queria deixá-la tão cedo. Talvez, ela que estivesse me confortando no final das contas, e não o contrário.

***

Eu estava feliz, afinal, era a troca de turnos de Alis; isso significava comer zacusca* com pão e beber vinho no teto do prédio; era inverno. Normalmente, contávamos sobre nossos dias longe uma da outra, ou melhor, eu contava. Ali não se lembrava de nada. Aparentemente, isso não tinha mudado. Com o toque de recolher, aquele era o máximo de privacidade que tínhamos.

Aqui eu podia segurar a mão dela o quanto queria e dar quantos beijos eu quisesse. Ninguém nos olhava feio; não tinha ninguém ali e olhares para se preocupar.

— Lembra de quando a gente se conheceu? — disse minha namorada, antes de mordiscar o pãozinho com pasta de berinjela.

Era quase um ritual.

Distopia RomenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora