Capítulo 9 - A Provação (Parte 1)

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Elena

Uma luz cegava minha visão, ou seria a vista extremamente borrada? Com um esforço tremendo, semicerrei os olhos fortemente e tentei ajeitar o corpo. Mas algo pesava em mim. Eu era incapaz de mexer meus pés; pareciam emaranhados em um tipo de tecido infinito, que teimava em enrolar ainda mais a cada movimento. Caí de joelhos, sentindo o mar de pano envolver meu corpo ainda mais.

Foi aí que um barulho tomou conta do silêncio. Era um choro, contido, mais ainda era um. Não me assustei, não daquela vez. De certa forma, eu esperava que alguém estivesse ali. Eu estava ali por esse alguém.

Estiquei meu braço no ar, tentando em vão alcançar seu ombro.

Notei a tristeza também se apossar de mim.

- Promete nunca me esquecer? - foi só o que consegui ouvir da voz infantil, que havia me suplicado.

O clarão me privava de ver, mas uma coisa eu sentia bem lá no fundo: nós éramos amigos. Mesmo enroscada no tecido, eu queria ajudar. Lembrei do que Alis tinha dito.

"Meu irmão é muito mente aberta, Lena, você sabe bem. É só que... imagine ter a melhor amiga e a irmã namorando."

Um sentimento de culpa me atingiu, ao mesmo tempo que abri os olhos para a realidade. Ele tinha medo de ser largado para trás. Talvez eu tenha dado motivos para Nicolae pensar assim.

Alisei meus cabelos castanhos e depois de me revirar no beliche, espiei um dos relógios de 9,99 dragos em cima da escrivaninha cambeta e antiga. Seis da manhã, me informou o negócio de plástico a partir dos ponteiros. Antes que acionasse, desliguei-o. Por fim, me levantei, tomando cuidado para não esmurrar a cabeça na cama de minha irmã.

Retirei o pijama do corpo, e em seguida, pus a roupa que eu tinha usado no pré-teste. Não se passava de uma calça folgada e esportiva, juntamente de uma blusa com manga comprida; um achado no brechó dos Ferche. Eu sempre conseguia um descontinho, já era da família. Isso quando eu não ganhava algumas peças de graça.

Tanto a cor da blusa quanto a de meu tênis eram idênticos ao céu cinzento e sem vida de Bucureşti*.

Peguei a carta mais uma vez na gaveta da mesa de cabeceira. O sorriso tristonho de Alis tomou conta de minha mente.

"Congratulações Janica Florescu,

Você é apta em seguir o processo de recrutamento.

O local da avaliação manter-se-á o mesmo: a quadra do 1º Batalhão de Infantaria, Setor 6. Não é necessário que leve este documento.

Boa sorte."

Segurei a vontade de rasgar a carta comprimindo meus lábios e cerrando o punho livre. Mas optei por não perder muito mais do meu tempo ali. Fui até o banheiro descarregar o nervosismo na privada e amarrar meus cabelos em um rabo de cavalo apertado. Busquei por um café rápido antes de sair.

***

A brisa fria encontrava meu rosto na manhã cinzenta de segunda; um lembrete de que aquilo era verdade. Eu tinha finalmente passado no pré-teste, e por incrível que pareça, o teste de verdade batendo na porta me incomodava. Quase um arrependimento. Talvez... seja por eu não desejar fazer aquilo de verdade. Mas eu não suportava os vampiros, e muito menos me humilhar a ponto de doar meu sangue. Eu tinha dever comigo e com minha família, mesmo que isso custasse meus objetivos.

Eu substituí meu sonho inalcançável de ser uma Exploradora e vasculhar os escombros de Bucureşti* por se tornar uma sargento. Soava mais acessível, crível e faria meu pai orgulhoso no outro plano. Não pensar muito sobre isso tornava a tarefa mais fácil e meus pensamentos menos divididos. Então, eu empurrava com a barriga. Mas ainda doía.

Distopia RomenaWhere stories live. Discover now