Capítulo 3 - Sorriso Mordaz

150 17 99
                                    

Dragoș


Girei a taça cristalina entre minhas falanges, e assim, inspirei lentamente o aroma singular da bebida. Dei um sorriso ínfimo enquanto deleitava-me do momento, e inclusive, mirava o banquete fausto adiante. Uma bela monodia assolava meus ouvidos. Acabei por mirar os nobres, ritmados e absortos pela ária.

As fenestras estilo gótico emolduravam a venusta e extensa urbe subterrânea, e apesar de nenhum céu, suas luzes naturalmente aludiam às estrelas. Cortinas vermelho sangue pendiam nas paredes e sanefas de tecido as decoravam, assim como vitrais adornavam janelas.

Solenidades normalmente não me apraziam, era suspeito a falar. Porém, tal se encontrava... cabível. Apesar de ter estado de bom humor, nenhum detalhe fora do lugar seria perdoável.

Dei um sorvo vagaroso e vislumbrei o salão. Reparei nos objetos próximos, como candelabros e castiçais; não lustrosos o bastante. Semicerrei as pálpebras em puro dissentimento.

Antes, reclinado sobre o encosto, curvei-me desgostoso. Pousei o cálice sobre a ampla mesa, segurei o suporte e o trouxe a mim. Um reflexo fosco se formara no metal, este que sequer reproduziu minha feição enfezada; meus olhos rubros não se passavam de dois círculos distorcidos e carmins.

— O que foi, Maiestate*? — Questionou a senhorita de cabelos castanho-escuros ao meu flanco, e assim, fitei suas feições. Minha futura noiva mantinha-se em seu lugar, e eu, no meu. A distância era respeitável.

— Os candelabros não estão polidos — respondi, sucinto. Fiz um breve hiato e mirei a peça metálica novamente, de cima a baixo. — Deveria ter se atentado aos detalhes.

Elodia ficou sem palavras, encolhida conforme gaguejava em seu próprio silêncio. Caso almejava me impressionar, fracassou miseravelmente. O rubor espalhou pelas suas bochechas, bem como seus olhos cinza encararam o piso de mármore. Era por isso que eu preferia fazer as coisas à minha maneira.

— Perdão — foi o que ela replicou. Por não ter o mau hábito de criar desculpas mirabolantes, aquela resposta curta tampouco me surpreendeu.

Dispus o candelabro em seu devido lugar e recostei-me na cadeira estofada. Mantive as costas eretas, com o queixo ligeiramente elevado; a compostura de um autêntico soberano.

Alguns nobres permaneciam de pé; ora confabulavam, ora dançavam Carola, uma coreografia em roda. Já outros, desfrutavam dos beberes notáveis. Apesar de assentos vagos, a distinção das famílias era incontestável. Os pertencentes à mesma casa aglomeravam-se em uma só parte da mesa, além da tonalidade de suas roupagens evidenciarem o óbvio.

A casa Hunyadi ostentava seus inigualáveis trajes negros dotados de pormenores prateados, e a Partium, integrantes de olhos cinza tal como vestes cor petróleo. Portados de azul cobalto estavam os Năescu, à medida que os Oaneş, com tecidos cor narciso, mantinham-se atentos para ouvir qualquer diálogo paralelo. Ademais, com as írises inquietas, estavam os Vulpe, adornados de seda verde-jade. Já os Moldovan, de roxo índigo, bebiam quando possível.

Os Moldovan... que família em puro declínio. Costumavam ser uma grande casa, promissora e influente, extremamente ligada à nossa. No entanto, escolhas eram escolhas. "Sequer sei como possuem a valentia de comparecer em um evento real"; refleti, alisando meus vários anéis de ouro branco. A pura presença deles me aborrecia.

"Pois bem, eu poderia inibir sua entrada"; cogitei, elevando ainda mais meu queixo. Se fosse tão frívolo, já teria o feito. Além disso, tampouco era uma decisão sensata.

Tornei a virar meu rosto à Elodia, recostada na cadeira. Seu corpo oscilava levemente ao ritmo da ária, e sem mais delongas, seus olhos recaíram nos meus.

— Concede-me esta dança? — Indaguei, estendendo meu palmo.

Apesar do pedido, não era algo que eu ansiasse; a ocasião exigia, jogos de agrados faziam parte da corte. Fora isso, a resposta era óbvia. Jamais se negava um convite do Imperador.

— Seria um prazer — a mulher sorriu, assim como depositou a mão na minha.

Pus-me de pé, vigiado pela escolta, e ajeitei meu caftan à leves tapas. Apenas minha movimentação repentina trouxe a atenção de alguns, evidentemente em sua maioria, Vulpes.

Conduzi a nobre até o âmbito livre do salão, reservado às danças. Os que bailavam, até então, abriram espaço. Adentramos a turba, posicionando-nos abaixo de um enorme lustre, frente a frente.

Curvei-me, em um sinal de respeito à minha futura noiva, e ela fez o mesmo, graciosamente ao soerguer da seda verde petróleo. Elevei meu palmo direito ao ar, e meu par, o seu esquerdo. Pressionamos nossas mãos, conforme a coreografia.

Movimentei meus solados para a esquerda, e ela para a minha direita, rodopiando de forma conjunta no centro do vasto brasão. Após uma volta completa, alternamos de lado. "Solenidades são solenidades, bailar fazia parte, querendo ou não"; refleti.

— Maiestatea voastră* está encantador esta noite — disse Elodia, adulando de praxe.

— Sinto-me lisonjeado — sorri sem dentes, assim como girei a senhorita pelos dedos. O vestido acompanhou o movimento, alongando-se, conforme uma flor a se desabrochar. — Também está esplêndida esta noite, como sempre — menti.

A nobre respondeu com um sorriso cortês à medida que girava. Ao finalmente a dança ter seu fim, reverenciei-me à Elodia, novamente, que retribuiu. Dessarte, a música encerrou, a brecha perfeita para meu discurso.

— Peço a atenção de todos — exprimi, rumando ao lado para ganhar maior visibilidade.

— Como vos bem sabe, os testes para a Força Armada tiveram seu início. Não me surpreende Nova Bucareste ter os melhores índices de desempenho por ora. Sendo assim, deixei as coisas um pouco diferentes, para vosso entretenimento, é claro.

Observei o público, com um sorriso mordaz despontando nos lábios.

Glossário:

Maiestate: "Majestade" em romeno.

Maiestatea voastră: "Vossa Majestade" em romeno.

Distopia RomenaWhere stories live. Discover now