Capítulo 10 - A Provação (Parte 2)

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Dragoş

Enfim, hoje era o dia do pão e circo; qualquer soberano conveniente era incumbido de aprazer seu povo. E ao mencionar povo, refiro-me aos meus, não a plebe vulgar — os selvagens denominados "humanos". Equiparar os Strigoi com tais era ultrajante.

As abundantes bandeiras de pano coloravam e avultavam-se das pedras do Coliseu; negro, azul petróleo, azul cobalto, verde jade, amarelo narciso, roxo índigo, e por fim, vermelho. O rubro contrastante mantinha a realidade bem nítida: vermelho do sangue, vermelho da realeza. Vermelho da família Țepeș.

As auriflamas rubras eram as que verdadeiramente se sobressaíam, e naquele panorama policromático, expectei pelo tão almejado momento. O céu cavernoso e os guinchos das belas criaturas aladas convinham de plano de fundo para a edificação gótica e suntuosa, e abaixo do gazebo da mais fina seda, mirei os nobres de cerviz erguida.

Reti a postura imperante e o aspecto de um soberano sem fraquezas. A vulnerabilidade era como sangue adjunto de famintos. E eu não me conformaria em perecer.

Não pude evitar de ponderar se os Partium sentiam com seus pés desnudos os humanos por entre as entranhas do concreto, e inclusive, se os Năescu eram capazes de farejar minha fúria transbordante. Beberiquei o líquido espesso e aprazível, que embora tão apetitoso, não me fazia esquecer da afrontosa demora.

Apurei meu relógio de bolso mais uma vez.

"Humanos miseráveis, não são capazes nem de chegar na hora?" inquiri mentalmente, alisando meus anéis de ouro branco. Antes mesmo de eu indagar a algum Moroi de minha escolta, e subsequentemente, cravar minhas írises em sua máscara nívea por míseros segundos, o portão se escancarou. E então, minha boca, em um sorriso.

Aguardei tais formigas serem posicionadas em seus lugares pela tropa de Morois e perscrutei um por um. Seus olhos, arregalados, temiam em taciturno; não havia exceção. Provavelmente, pressupunham ser o prato principal...mas errôneos não estavam. Não desta vez. Seriam o prato principal de algo muito mais fascinante.

Sem mais dilação, dispus o cálice na miúda mesa ao lado e ergui-me do trono de veludo carmesim, ornado de rebuscados detalhes em ouro branco. Os diálogos então cessaram. Ajeitei meu extenso sobretudo de pele e aproximei-me da murada; as pisadas de minhas botas reverberavam pelo coliseu perfeitamente tácito.

Um mascarado cedeu-me um microfone sem fio. Liguei-o.

Destarte, meu rosto imaculado foi ostentado pelos abundantes telões em volta da construção ovalada. Prossegui o discurso.

— Como bem sabem, hoje será o teste para as Forças Armadas. O teste de verdade. Julguei pertinente, portanto, mudar ligeiramente o rumo dos acontecimentos. Deixá-los mais... interessantes do que outrora.

O murmúrio dos heráldicos apoderou-se do silêncio. Fui capaz de absorver algumas poucas palavras. Se era isso o que desejavam, eu lhes serviria.

— O teste ocorrerá no Coliseu da Cidade Imperial, e devo imaginar o quão agradecidos e honrados devem estar por eu ter cedido este maravilhoso ensejo. Não se preocupem, meus súditos. Hoje mostrarão o quanto estão gratos em um... duelo.

Minhas palavras se desprenderam dos lábios. Não fiz questão de omitir meu júbilo; a boca alongou-se em um sorriso de puro deleite. Outros Strigoi compartilhavam a mesma satisfação, comemorando através de palmas ansiosas.

— Mulheres duelarão mulheres, e homens duelarão homens. Caso contrário, seria injusto. E não é isso que procuro. Aliás... não existem regras. O vencedor será determinado pelo último a ficar lúcido... ou vivo.

Eu buscava um duelo de igual para igual, assim, não findaria tão cedo. Minha missão era manter meu povo entretido, e não exterminar a diversão de uma vez só.

— Para que tenham um estímulo a mais, um modesto prêmio de dez mil dragos será ofertado ao vencedor, da colocação geral, é claro.

Dei uma breve pausa para que pudessem digerir.

— Que inicie o teste — minha voz retumbou pelo vasto Coliseu, amplificada pelas caixas de som.

Satisfeito, desliguei o microfone e entreguei-o a um Moroi qualquer. Assentei-me novamente no trono, adjacente à minha mãe, a Împărăteasă* vigente; Elodia e eu não havíamos nem noivado.

Ela portava um airoso escoffion negro em sua cabeça, que perseverava na tonalidade de seu vestido, igualmente escuro. O adereço, em formato de coração, enleava suas madeixas nas redes decoradas, contrastando com seus cabelos platinados, similares aos meus. Uma coroa de ouro branco, cravejada de diamantes negros e obsidianas, mantinha-se aclopada ao ornamento. Suas vestes remetiam a um corvo; casa Hunyadi, indubitavelmente.

A mulher parecia particularmente entusiasmada.

— Quem presume que irá ganhar? — questionou mamãe, recaíndo seus olhos, também negros, sobre mim.

Fitei adiante, observando os humanos em puro desespero. A época em que vivíamos nas sombras deles tinha se extinguido por completo.

— Diz sobre quem irá lograr a melhor colocação geral? — indaguei.

— Exato.

— É deveras cedo para atestar. — Eu já havia um palpite, mas não diria. — Por comentar isso, já possui um predileto?

Fitei a silhueta aloirada sobre a arena por breves instantes; número um.

— Claramente. Voto no número vinte.

O rapaz era forte e alto, sem dúvidas. Tentava manter um olhar determinado, mesmo com o medo iminente que minha pura presença e a dos nobres Strigoi causava. Sua braçadeira acarminada portava o número "vinte", alabastrino e amplo.

— Então confia na força bruta. — Mamãe era tão previsível, confiava em seus dotes demais.

Ecaterina apenas sorriu, retorquindo "O que esperava?" silenciosamente. A despeito de eu ter lido sua mente, compreenderia; conhecia minha mãe como a palma da mão. O ressoar das trombetas pelo Coliseu deu início, indicando então abertura da tão esperada provação. Os nobres, antes cochichando sobre apostas, cessaram de vez.

— Numerele 2, 15 şi 20, prezentați-vă*! — bradou um humano de farda.

Três garotos foram ao âmago da arena, de livre e espontânea pressão. Seus pés resvalavam pela areia, opondo-se à força dos Morois em vão, que os arrastavam facilmente e no meio os dispuseram. Eles não usufruíam de escolhas; nenhum humano tinha ou teria. A sonância das trombetas repercutira novamente, prenunciando o início da luta.

Um dos combatentes disparou-se em rumo à um dos vultosos portões laterais do Coliseu e sorri de escárnio, trincando os dentes. Aparentemente, minha ordem estava sendo contestada. Os guardas mascarados não perderam tempo, interceptaram seu caminho com destreza e rapidez, atirando-o no solo arenoso.

— Formação um — ditei ao dispor minhas falanges na escuta em meu ouvido, ligando-a momentaneamente.

Quinze guardas posicionaram-se avante, configurando um círculo em torno dos humanos e encarcerando-os em um raio de três metros. "Pois bem, se não eram capazes de acatar regras, eu as impunharia", refleti com olhos semicerrados.

Era satisfatório ver tais reles criaturas gladiando entre si, contudo, era mais satisfatório ainda observar a disparidade de poder entre nós, Strigoi, e os humanos. Tão burros e tão desesperados... mas eu não os subestimava; formigas quando agrupadas deslocavam um peso extraordinário para seu corpo. Eu mesmo fui menosprezado pelo meu próprio sangue, e aqui estava, comandando um império.

Assim sendo, eu eliminava parte de suas memórias. O pavor e terror do oculto era muito mais pujante do que se eu meramente revelasse minhas habilidades por toda a România Regala. Sem o conhecimento dos poderes dos Strigoi, como a humanidade dominaria, ou até mesmo, compreenderia nossas fraquezas?

Glossário

Împărăteasă - Imperatriz, em romeno;

Numerele 2, 15 şi 20, prezentați-vă - "Números 2, 15 e 20, apresentem-se", em romeno.

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