Capítulo 6 - Fada de Chifres

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Dragoş


Minha mãe certa vez dissera-me, "O Homem é o lobo do Homem"; e desde então, tive convicção de que a humanidade era a sua própria ruína. Uma espécie capaz de fazer atrocidades a si mesma não merecia meu respeito. Era mera comida, conforme os mesmos preceitos da cadeia alimentar que tanto se vangloriava.

Havia vezes que a voz dela vinha à minha mente, recitando excertos com sua fala doce e sábia. E vezes, que a própria recitava a mim. "É melhor ser temido do que amado", contava-me. De fato, mãe, esteve certa o tempo todo. Afinal, "Quem num mundo cheio de perversos pretende seguir em todos os ditames da bondade, caminha inevitavelmente para a sua perdição".

De qualquer forma, estava eu concebendo um favor ao reinar tais bestas, animais selvagens envoltos de roupa. Deste modo, suas ações estúpidas não atingiriam o mundo novamente; o poder nunca foi feito para permanecer na posse destes.

Verifiquei-me no espelho e dei leves tapas no caftan vermelho sangue no qual eu vestia. Ajustei meu extenso casaco, que recobria até o pescoço, assim como as tiras de seda cingindo minha cintura. Ri de escárnio ao rememorar superstições ignorantes dos humanos sobre nós: "'Vampiros' não possuem reflexo no espelho". "Francamente, que disparate", caçoei.

Dispus-me a frente da longa porta de metal, e então, olhei fixamente para a tela logo ao lado. Depois de míseros segundos, a porta destravou. Fui afora.

Desloquei-me pelo amplo corredor, com elevadas abóbadas de ogiva. Janelas desnudas e de rendilhados elaborados adornavam as paredes laterais, assim como pilastras e candelabros prateados. Caminhei sem pressa, afinal, minhas responsabilidades estavam nos conformes e inclusive no horário. A escuridão eterna, cruzada pelas fenestras, atingia meu corpo lívido.

Resolvi abrir espaço em meus compromissos para tentar algo diferente. Eu estava disposto a seguir em frente; no entanto, não era como se eu fosse descartar minhas incertezas. Elodia não me enganaria tão facilmente, seu sorriso e graciosidade muito menos tirar-me-iam a razão.

Escancarei a grossa porta de madeira sem nenhum esforço e adentrei o salão de pequenas festas. Os empregados já concluíam seus retoques finais, limpando cortinas e afinando instrumentos. Disposto ao centro da única mesa do aposento, um candelabro era envolto por lisiantos brancos, bem como a decoração em geral mesclava o vermelho sangue com azul petróleo.

Ao contrário da noite anterior, defini eu os preparativos. Aprendi a lição ao incumbir a outro alguém minha responsabilidade; mesmo que este tenha solicitado e eu — cedido — por pura complacência. Realmente, a culpa tinha sido minha. Minha por ter gerado expectativas tão altas. Eu devia ter previsto que coisas como essa aconteceriam. "Não haveria uma segunda vez, isso eu garanto", concluí mentalmente.

Fitei os ornamentos com um olhar aguçado, cruzando as cortinas, cadeiras e ademais o candelabro. Tudo seguira minhas recomendações e observações, que inclusive, fiz questão de transcrever para não ocorrer desentendimentos e muito menos pretextos.

Puxei o relógio de bolso em meu casaco para averiguar as horas.

— Todos em suas posições — comandei.

Sentei-me em uma das cadeiras e ajustei meus múltiplos anéis. A melodia interrompeu o silêncio; o som do violoncelo solitário reverberou pelo aposento e inclusive meus ouvidos.

Elodia adentrou o salão de bailes, exibindo seus pés desnudos e um belo escoffion em sua cabeça; uma fada de chifres, com passos serenos e delicados, que deslizava o vestido de seda cor petróleo como um rastro de sua presença. Pena que eu não cairia em seu feitiço.

Distopia RomenaWhere stories live. Discover now