4 • Traga o abismo de volta

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Com um despertar assustado, meus olhos abriram-se de supetão e para minha surpresa e desespero, eu estava caindo.

Mais precisamente, estava despencando.

Eu me debati, o pânico crescendo no meu coração enquanto desabava numa imensidão escura como uma vala sem fundo, um abismo. Não havia nada a que pudesse me agarrar para parar a descida. Ao meu redor, existiam apenas trevas sombrias que não me permitiam enxergar nem mesmo minha mão na frente do rosto. Onde quer que eu estivesse, não parecia haver começo ou fim... havia só o nada. Era como se o lugar nem mesmo existisse. 

Eu tentei gritar, porém, nenhum som eclodiu da minha garganta. Meu corpo rasgava o vazio e memórias passavam pela minha mente como cenas muito aceleradas de um filme: meu pai, Benjamin, Lila... Madame Lover. Sim, lembrei-me dela e logo depois, de mim mesma. Outra vez, eu atravessava a Purple Alley Street e lampejos de um carro e de uma buzina alta eclodiram. A colisão, a queda... Céus, eu morrera e estava caindo para o inferno? Mas tão rápido e sem o julgamento do qual tanto falavam na terra?

Mais pavor cresceu em mim. 

A não ser que o inferno fosse tão sagaz a ponto de usar uma tortura como aquela, eu não poderia cair para sempre. Tomando de volta minha respiração, me virei de forma que supus que estivesse olhando para baixo, mas a verdade era que não sabia se ali existiam quaisquer direções. Meus olhos piscaram para adaptar-se à velocidade da queda e uma luminosidade muito fraca, distante e inesperada apareceu. Então, confirmando que eu não estava errada, avistei um chão de pedra implacável à minha espera.

Minha respiração quase parou. Se eu não havia morrido no atropelamento, então iria agora, e essa percepção foi devastadora. O fim daquele vão sombrio se aproximava e ainda que eu não quisesse morrer, isso parecia inevitável e inadiável. Um turbilhão de sentimentos invadiu todos os meus ossos e sangue e órgãos, e nada mais restou em mim além de um desespero tão avassalador que não deixava espaço sequer para o medo. Num instinto de autoproteção que já não fazia mais sentido adotar, mas que era humano demais para que eu o negasse, abracei a mim mesma e quis chorar.

Então era assim que acabava: sem julgamentos, sem depois. A vida não passava de uma doce sátira. Era tudo tão simples que chegava a ser sutil e requintado. Ainda mal podia acreditar no que estava acontecendo até que o chão estava a metros de mim, tão próximo que eu podia inalar o cheiro vivo da morte. Fechei os olhos quando estava perto o suficiente para já sentir a dor, e minha mente esvaziou-se. Pensei que não havia como me preparar para o que estava prestes a acontecer, mas ainda assim, me abracei mais forte e esperei pelo meu fim por longos instantes, cheia de horror.

Para minha confusão, entretanto, nada aconteceu.

Abrindo os olhos devagar, eu encontrei o que achei ser a cena de um milagre: estava parada no nada, observando o chão ainda no aguardo do impacto do meu corpo. Eu flutuava, como se me enroscasse num tecido suave e invisível. O maior dos silêncios tomou conta do lugar. Eu não conseguia ouvir nem mesmo as batidas do meu coração ou minha respiração até que, devagar, um baixíssimo som apareceu. Era como uma brisa, mas ainda mais leve e elegante. Eu o busquei ao redor, saindo do meu estado paralisado para encontrar uma pequena borboleta roxa voando na minha direção.

As asas do animal batiam como nuvens e tremeluziam uma luz delicada e angelical. Todo meu corpo estremeceu, mas eu não consegui dizer nada ou me mexer. Logo, minha pequena companheira aproximou-se, pairando na frente dos meus olhos. A borboleta parecia querer dizer ou mesmo fazer algo. Por algum motivo, não consegui temê-la e inundada por um sentimento quente e familiar, a encarei.

Mysie, escutei uma voz distante e fantasmagórica ecoar por todos os lados, enchendo-me de tamanha ternura que senti lágrimas chegando aos meus olhos vidrados, mas não chorei. Ao invés disso, o líquido pairou nas lagoas das minhas pálpebras, brilhando em admiração. 

Querida Mysie, repetiram ainda mais baixo, apenas um sussurro sem gênero. Acorde! Acorde, querida, falaram outra vez, a voz agora assumindo tons femininos e familiares. 

Acorde, Mysie! E a fala continuou nesse mantra por tanto tempo que tudo se misturou ao vazio, e eu, a borboleta e o nada éramos um só.

Abri minha boca para falar uma, duas vezes, mas por fim, a única coisa que conseguiu atravessar meus lábios foi um som murmurado e sôfrego:

— Não me deixe cair — pedi suplicante, os lábios oscilando e os olhos ardendo pelas lágrimas. — Por favor.

Nesse instante, a borboleta se desfez em poeira púrpura e brilhante e logo depois, em cinzas. Então, abaixo de mim, tudo desmoronou. Eu despenquei de repente, como se caísse de uma grande montanha-russa após a lenta e ansiosa subida ao topo. Dessa vez, no entanto, não parecia haver mais paradas no caminho.

Aparentemente aquela era a última escala do derradeiro voo da minha vida — ou melhor, da minha morte.

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Em condolências à Mysie, um minuto de silêncio.

Passado o minuto, a autora que vos fala gostaria de dizer que adora saber sua opinião, então conta aqui o que está achando! Esse capítulo foi MUITO mais curto que o habitual, mas espero que tenha gostado. Se sim, não esqueça também de deixar seu voto lindo e super importante! 💜

Obrigada pela leitura e até as cenas dos próximos capítulos! 🔮 

Trago Seu Amor de VoltaWhere stories live. Discover now