14 • Traga a música de volta

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Eu não sabia em que momento da minha vida ao longo do século XIX havia fornecido à Cordelia as chaves do meu quarto, mas me arrependi desse instante desconhecido assim que ela pulou alegremente na minha cama bem cedo pela manhã.

Com um sobressalto, eu me ergui rapidamente e sentei-me totalmente enroscada nos lençóis. Estava cansada como se tivesse levado uma carruagem nas costas no dia anterior e minha primeira reação foi resmungar, mas logo deixei que o aborrecimento abrandasse diante do som jovem e doce da risada de Lila ao meu lado.

— Céus, Mysie! Você está dormindo como um urso ultimamente, sabia? — Ela zombou, puxando as cobertas de mim. — São quase seis da manhã e continua aí, toda despenteada.

— Bom dia para você também, Cordelia. — Eu bufei, esfregando os olhos. — Por que está acordada tão cedo? O café não é servido só às sete?

Sem fazer muito caso dos meus questionamentos, Lila sorriu e apoiou o queixo na mão, o cotovelo sobre a cama. Seu olhar tinha a travessura e a chama de cumplicidade que eu conhecia tão bem como poucas coisas no mundo. Antes mesmo que ela falasse, eu sabia que havia alguma coisa diferente ali.

— Eu acho que algo vai acontecer nos próximos dias — sussurrou.

Estreitando os olhos na direção de Lila, eu me virei para ela, agora intrigada.

— Do que está falando?

— Ah, agora, sim, você me parece bem acordada. — Ela caçoou, erguendo-se para se sentar na cama de forma que não amarrotasse ainda mais seu vestido azul.

— Sabe que estou sempre toda ouvidos para você — ironizei, arrancando um risinho divertido dela.

— Bem, eu tive uma crise de insônia hoje bem cedo, antes mesmo das cinco da manhã. — Ela começou. — Não consegui dormir de jeito nenhum, então me aprontei e fui avistar o fim do nascer do sol na varanda do terraço. Quando estava passando pelo corredor no caminho, escutei vozes vindas do escritório do tio Wilson... as vozes dele e de Benjamin.

Meu coração prontamente acelerou uma batida. O que papai e Ben poderiam estar conversando furtivamente antes do nascer do sol? Seria algo sobre a votação? Imediatamente, lembrei-me da Srta. Rosie, de lorde Chapmont e dos seus avisos. Lembrei-me também de papai na noite anterior; essa conversa tão matreira seria sobre as coisas que ele dissera que eu não podia saber?

— Sobre o que falavam? — perguntei imediatamente. Agora estava realmente desperta e absolutamente curiosa.

— Eu não consegui escutar muito bem pelo medo de ser pega bisbilhotando, mas pude reconhecer seu nome sendo falado muitas vezes. Com certeza o assunto era você.

Franzindo o cenho, eu tentei pensar nas razões pelas quais papai e Ben poderiam estar falando sobre mim tão sorrateiramente, mas não achei nada importante. Eu e Benjamin nos casaríamos, porém, aquilo não era nenhum segredo.

Eu? E o que haveria de tão importante para falar sobre mim tão cedo, tão nas escondidas? Eu não entendo. Você não escutou mais nada?

Com um bufar, Cordelia revirou os olhos, arrastando-se para fora da cama e ajeitando o vestido assim que ficou de pé. Como quem faz menção do óbvio, ela repousou as mãos nos quadris e despejou:

— Não, eu não escutei. Mas não está claro para você? É óbvio que deve ser algo sobre o casamento! E se eles estão falando sobre isso tão cedo, há tantos dias de vocês sequer noivarem, alguma novidade deve estar vindo.

Sorvendo as palavras de Lila, eu permaneci imóvel na cama e mordi o lábio inferior, pensativa. No século XXI, a ideia de me casar com Benjamin era uma perspectiva sólida para o futuro, algo que eu estava certa de que aconteceria em algum momento. Ali, contudo, já estava acontecendo, e essa mudança repentina nas circunstâncias me deixava ansiosa e... apavorada? Medo e expectativa e um sentimento incerto bailaram em minhas entranhas, e mesmo Lila percebeu minha mudança de humor.

Trago Seu Amor de VoltaWhere stories live. Discover now