• Diretor •

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Diretor Marco, com seu proeminente bigode mesclado de fios brancos e pretos cobrindo o lábio superior, parecia ainda mais zangado do que de costume. O homem alto e ranzinza, com o suor que escorria pela testa mesmo nos dias frios, não era nem de longe uma figura amedrontadora. Naquele momento, as quatro garotas estavam mais preocupadas no infarto que possivelmente estavam prestes a presenciar, do que na bronca que viria a seguir.

Gilmar Marco era antiquado como tudo em sua sala. Vestia o colete marrom por debaixo do terno de mesma cor que, curiosamente, combinava com toda a decoração ao seu redor. Isa acreditava que as únicas pessoas que usavam coletes naquela cor sob seus ternos haviam morrido há, pelo menos, cinquenta anos. Mas não o diretor Marco. Esse estava bem vivo – embora duvidasse que duraria muito mais tempo se continuasse daquela maneira –, e pronto para as punir.

Valquíria repetiu várias vezes tudo o que tinha acontecido: King a seguiu até o vestiário e a abordou com suas piadinhas imbecis de sempre, que foram ignoradas com um longo revirar de olhos como em todas as outras ocasiões parecidas com aquela entre os dois. Mas, dessa vez, um passo maior havia sido dado: King a tocou por debaixo da saia que vestia.

— Eu não me importo se você acredita ou não — Valquíria relaxou na cadeira em frente a mesa do diretor e cruzou os braços. — Mas eu não vou ser punida por algo que não fiz.

Com certeza ele não acreditava em nenhuma delas. King tinha fama e era de conhecimento do diretor que o alvo preferido do jovem Arantes era a garota de cabelos quase brancos de tão loiros. Mas também era de seu conhecimento que Valquíria não se dava bem com ninguém e sua natureza era um tanto conturbada.

Quando King foi levado até a sala do diretor e ele se deparou com o estado em que o garoto havia ficado, acreditou na versão dada por King: Ele havia sido atacado repentinamente por quatro meninas raivosas e histéricas por nenhum motivo aparente.

Os Arantes era uma das famílias tradicionais de Belalís, praticamente donos de toda aquela terra, e Marco sabia que não era boa ideia mexer com pessoas como eles. Mesmo que as famílias das quatro fizessem tão parte da história da cidade como os Arantes, nem de longe tinham uma boa fama, sendo conhecidas pelos seus ancestrais e as práticas repreensíveis para os demais habitantes.

O diretor respirou fundo, relaxou seu corpo no encosto de sua poltrona e encarou as meninas. King podia não ser um grande exemplo de integridade, mas Marco entendia como era frustrante a maneira como garotas como elas tratavam garotos como eles. Ver elas, era quase como ver um reflexo das garotas de sua juventude. Talvez por isso existisse uma satisfação velada em ter a possibilidade de as castigar.

— A verdade é que, se não tivéssemos chegado na hora, provavelmente agora não teria quatro meninas que deram uma surra no idiota do King, mas uma violência sexual dentro do colégio — Ariana estava exausta de dar voltas no assunto e não chamar aquilo pelo que era.

Ouvir isso arrepiou Valquíria. Era claro o que King estava tentando fazer e mesmo assim, não queria acreditar que havia chegado a tanto.

— Está bem claro o que vocês fizeram — O diretor se manifestou depois de uma longa pausa. — Não há argumentos contra...

— King agrediu a Valquíria — Mona o interrompeu. — Foi exatamente o que aconteceu. Todos sabem do que King é capaz, não é a primeira vez que ele fez uma coisa assim e, mesmo que tentem encerrar isso sem grandes consequências pra ele, eu não acho que ela deva deixar isso impune.

O homem ranzinza, com os lábios separados em meio a frase que dizia tinha um grande ar de surpresa. Mona era uma boa aluna, nunca deu sequer um problema e, mesmo que ele esperasse da jovem Solis algum comportamento como o de sua tão conhecida avó, Mona fora contra todas as suas expectativas e tinha se comportado como uma garota exemplar até aquele momento.

Ele precisou de alguns segundos engolindo a verdade sobre a menina.

— Estou decepcionado com você. Nunca achei que a veria envolvida em algo tão problemático — Mona abraçou a si mesma e abaixou o olhar. Sabia pela experiência de sua natureza manipuladora que se parecesse envergonhada o suficiente pelo que tinha feito, talvez o diretor a livrasse levando em consideração todo seu bom histórico — Liguei para os pais das quatro. Eles devem estar a caminho.

Mona voltou o seu olhar para o diretor. Inflou suas narinas com raiva e fechou os punhos em contato com suas costelas. Sua vontade era voar por cima da mesa e agarrar o pescoço do homem nojento que se achava no direito de se sentir decepcionado com ela. Mona sabia que não devia nada a homem algum, ainda mais a um mero homenzinho frustrado como o diretor Marco.

Isa, ao ouvir sobre como seus pais haviam sido chamados ao colégio, revirou os olhos e bufou.  "Ótimo, apenas mais uma coisa para a lista aparentemente interminável de 'O que acontece quando o Azar resolve, literalmente, entrar na sua vida'", pensou Isa. Estava incrédula ao perceber como tinha conseguido fazer com que todos os dias de sua semana fossem repletos de acontecimentos desastrosos.

— Ligou para a senhora Arantes também? — O sorriso sarcástico no rosto de Isa quase a fez acreditar que não havia nada a temer. Quase.

— Senhora Arantes ligou assim que viu um vídeo do filho apanhando de quatro garotas no corredor de um lugar que deveria ser seguro — Marco suspirou imaginando o que viria a seguir. — Teremos grandes problemas.

Então era sobre isso. Isa teve certeza que toda aquela situação só estava acontecendo para que todas as quatro admitissem sozinhas a culpa, livrassem o filhinho da mamãe e fossem punidas como Sônia Arantes achasse mais apropriado. Toda família Arantes ainda se achava dona de Belalís e de seus habitantes, com sua história diretamente ligada a cidade e a empresa madeireira que gerava grande parte da economia da cidade e seu complexo de superioridade no mínimo patético.

Antes que Belalís se tornasse uma cidade, era uma grande fazenda de plantio de café da família Arantes, que as poucos perdeu espaço para as novas famílias estabelecidas no vale, o que para eles nunca foi superado.

Valquíria desejava fortemente colocar toda aquela família com sérios problemas de caráter em seu devido lugar. Mas não podia. Nenhuma delas podia, mesmo querendo muito. Existiam alguns limites que não podiam cruzar e algumas regras as quais todas elas deveriam seguir pelas ordens de suas famílias.

Uma das mais importantes tratava justamente daquela situação. Era errado se juntar com pessoas de outros clãs. Tão errado quanto isso era chamar atenção para o fato. Pior ainda, era ter feito algo contra alguém como King.

A sala do diretor era apenas a primeira conversa que teriam sobre aquilo. O que estava por vir, faria a conversa com ele parecer com um passeio calmo em um dia tranquilo e ensolarado na primavera, com direito a sorvete de baunilha e confeitos de chocolate.

Clube do AzarWhere stories live. Discover now