• Nícolas •

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— Minha família tem um mausoléu no cemitério. — Mona deixou a ideia no ar. Ela estava sentada no terceiro degrau da escada, com os cotovelos apoiados nos joelhos. Se sentia fraca e com ainda mais fome. O remédio para enjôo mal fazia efeito e se perguntava quantos meses mais levaria para que as náuseas passassem.

Valquíria afastou os fios rebeldes do cabelo em seu rosto, se apoiou no cabo do rodo e olhou para a garota pálida na escada. Via que a Mona não estava bem e que tinha algo estranho nela, mas ainda não tinha descoberto o que era.

— Valquíria podia ter mais uma dessas tataravós — Ariana estava esfregando o chão tão forte que Isa se perguntava se ela conseguiria furar o piso se continuasse daquele jeito.

— Temos uma coleção inteira em casa. — Valquíria sorriu.

Ariana parou o movimento de esfregar o chão e arregalou os olhos. As garotas olharam incrédulas para Valquíria. Elas estavam há vários minutos pensando no que fazer. Mona já tinha até cogitado a ideia de invadir o cemitério e Isa tinha pensado que poderia usar as ferramentas de jardinagem da mãe dela caso precisassem cavar uma cova, enquanto Valquíria tinha a solução para o problema delas todo aquele tempo.

— Qual é? Eu não posso voltar para casa agora e correr o risco da minha mãe me achar lá. Vai ser quase impossível sair depois disso e a gente precisa fazer isso hoje.

— Roubar um cemitério, então? — Ariana perguntou, compreendendo a dificuldade de conseguir uma nova urna.

— Talvez eu consiga resolver o problema... — Valquíria estava séria e as engrenagens de sua cabeça funcionavam rapidamente ponderando se era uma boa ideia ou não a que tinha acabado de ter. — É, eu tenho a solução.

Ela largou o rodo e tirou o celular do bolso de sua calça jeans preta. As outras meninas observaram atentamente os movimentos de Valquíria até sair do campo de visão delas ao passar pela porta da frente, rumo ao bem cuidado jardim da entrada da casa. Ariana não queria ter mais surpresas e também deixou o rodo de lado e seguiu Valquíria para fora, sendo acompanhada pelas outras duas garotas.

Belalís tinha essa bonita vista de cidade de interior, com ares europeus e um pouquinho do que havia restado da tradição indígena após a colonização. A vizinhança onde Isa morava era uma das mais tradicionais e as casas eram grandes e distantes uma das outras, as ruas eram bem pavimentadas e nas calçadas havia um caminho de grama e várias árvores. Raramente haviam pessoas na rua àquela hora da noite, o que para Isa era um alívio.

Seguiram com o olhar Valquíria se afastando um pouco mais com o celular na orelha. Não sabiam o que ela estava fazendo, mas torciam para que desse certo.

Ariana olhou para a garota pensativa ao seu lado. Isa estava encostada na parede ao lado da porta que tinha mais do que o dobro da altura dela, com os braços cruzados e atenta aos movimentos de Valquíria. O vento leve fazia alguns fios de cabelos caírem sobre seus olhos, mas ela parecia não se importar.

Ariana quis perguntar se Isa sentia o mesmo que ela, pois a garota Albani parecia poder sentir. Não era algo que Ariana soubesse do que se tratava, ela apenas sentia essa coisa impregnada em sua existência e que a fazia ser como era. Essa era uma das muitas coisas que não sabia explicar ao certo e sempre que tentava falar, acabava se enrolando e desistindo em seguida. Leona conhecia bem isso.

Na primeira vez que Ariana disse que sentia algo ruim vindo dos vizinhos, logo que chegou a Belalís, Leona se sentou ao seu lado e pediu para que ela explicasse. Ela apenas repetia: "É essa coisa, mãe, essa coisa que eu vejo através deles, mas não é como se eu enxergasse mesmo, eu apenas sei que está lá.", e Leona lhe preparou um chá e dias depois lhe deu um colar com uma pedra preta que parecia carvão, só que mais bonita. Disse que isso a protegeria e desde então Ariana passou a carregar o cordão ao redor do pescoço.

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