• Solis •

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Alguns diziam que Belalís jamais seria a cidade que era sem os Solis.

Há muito tempo, quando Belalís ainda era uma grande fazenda pertencente à família Arantes e a praga dizimou parte da plantação que empregava dezenas de pessoas, foram os Solis e sua magia que livrou toda aquela terra de morrer por completo. Em troca, exigiram uma pequena parte das terras, que mais tarde se tornaria o centro de Belalís, mas que não foi concedida sem antes terem dedos apontados e acusações sobre terem provocado a praga em primeiro lugar.

A época mudou, os dedos apontados e as acusações nunca acabaram de fato.

Delfina Solis tinha os cabelos compridos, crespos e grisalhos, sempre adornados por uma faixa de pano colorido. As rugas em torno de seus olhos ficavam mais evidentes quando sorria e seus lábios cheios se abriam mostrando seus perfeitos dentes brancos. Vovó Delfina era uma senhora doce, que sempre tinha uma receita de chá para os mais diversos males que acometessem seus familiares. Era dona do Antiquário Sol, que todos os clãs sabiam se tratar de uma fachada para abrigar todo tipo de artigo mágico, desde livros com magias valiosas, até curiosos receptáculos sempre atentos ao que acontecia na loja.

Olívia, sua filha, tinha a pele mais clara e cachos constantemente escondidos debaixo do turbante usado enquanto cuidava de suas encomendas. Enquanto todas as outras adolescentes vindas de ancestrais como os dela brincavam com poções e pequenas pegadinhas mágicas, Olívia se dedicava a fazer bolos e docinhos para sua pequena confeitaria, que começou aos dezessete anos. Havia um pouco de magia em cada torrão de açúcar usado nos doces.

Mona havia perdido a magia da família simplesmente por não se interessar o suficiente. Ter todos os olhares voltados para a sua avó, enquanto as fofocas maldosas aconteciam aos sussurros sobre como Delfina era uma bruxa, fez com que Mona rejeitasse tudo que o clã Solis significava e tentasse ao máximo se encaixar entre os cidadãos comuns da cidade. Ela sabia o que sua avó significava para os outros clãs de Belalís e sabia que estava mais encrencada do que qualquer uma das outras três garotas apenas por ser neta de quem era.

Na viagem de volta, Mona havia ficado com o lugar de Valquíria ao lado de Ariana no banco do carona para não correr o risco de uma nova discussão iniciar e mais uma pessoa acabar morta. Quando Valquíria saiu do carro e Mona estava de pé do lado de fora esperando para colocar o banco do lugar, um pedido inusitado foi feito.

— Ei, Valquíria — Mona estava um tanto nervosa. — Por acaso você não teria algo que, você sabe, me ajudasse a esconder da minha avó o que fizemos?

Valquíria arqueou uma sobrancelha e não pode deixar de soltar um risinho sarcástico. Mona estava pedindo por um feitiço, mas hesitou em chamar aquilo pelo que era, e Valquíria não pode deixar de julgar a ignorância da garota Solis. Ajudar Mona naquela questão era ajudar a si própria, já que esconder de Delfina que tinham matado King era essencial para não acabarem em um problema ainda maior.

Valquíria tirou de seu pescoço uma das várias correntes que usava e entregou na mão de Mona, que agora carregava consigo a correntinha com um minúsculo frasco roxo e não tinha ideia do que tinha lá dentro e nem o que aquilo fazia, mas cheirava a ervas e esperava que fosse o suficiente para manter sua avó longe de seus segredos.

Olívia ia de um lado ao outro da cozinha se desdobrando para dar conta de seus afazeres. Mona permanecia em silêncio observando as rasuras na mesa de madeira no meio da cozinha como se fosse a coisa mais interessante do mundo somente para não ter que olhar para sua avó. Desejava que seu pai estivesse ali para a defender. Era o que ele sempre fazia.

Joaquim trabalhava no museu municipal guardando a história de Belalís, rica em conflitos das famílias antigas e cheia de segredos que meros objetos velhos não eram capazes de contar por completo. Para um historiador de arte, trabalhar em uma cidadezinha como aquela não estava em seus planos, pelo menos não até ver sua pequena obra de arte pela primeira vez, sua Monalisa.

Clube do AzarWhere stories live. Discover now