A Estação

68 8 2
                                    

A tempestade pegou os parisienses de surpresa pois não havia previsão de chuva para aquele dia. Muitos tiveram que se abrigar em lojas, restaurantes ou qualquer lugar propício para se proteger da chuva intensa.

O guitarrista batia o pé distraído no ritmo da música de seus fones de ouvido, quase não percebia nada ao seu redor na estação de metrô. Sua casa não era longe, mas o tempo o obrigou a traçar uma nova rota. Se passavam das dez horas da noite, a estação em geral estava cheia, hora ou outra alguém acabava esbarrando no azulado que mal ligava.

Ele arrumou a alça em seu ombro, o instrumento começava a pesar com a chegada do cansaço. Tinha acabado de sair de um pub, aceitou se apresentar lá tocando violão – ao invés de sua costumeira guitarra – em troca de alguns euros. Mesmo um professor de música necessitava de uma renda extra.

Embarcou assim que o metrô abriu as portas, preferiu ficar de pé porque sabia que se decidisse se sentar dormiria ali mesmo. Luka se segurou e apoiou a cabeça no próprio braço. As luzes fortes o causavam dor de cabeça, ele só queria se deitar logo e poder dormir as poucas horas que a noite lhe reservava. Logo de manhã estaria de pé, trabalhava em uma escola de musicalização infantil, apesar de seu estilo despojado, as crianças de cinco à oito anos se acostumaram facilmente.

A parede de concreto, que ele fitava sem prestar atenção pelo vidro da porta, sumiu com a velocidade do transporte o despertando de seu quase cochilo em pé. Agora, era possível ver outro metrô indo no mesmo sentido que o dele, um pouco mais rápido.

Numa fração de segundos seus olhos captaram um cabelo extremamente familiar. Azul-marinho, soltos, batendo poucos dedos abaixo do ombro. A janela só o permitia ver que trajava um casaco cor de caramelo. A garota estava de costas, por isso não pôde ver a reação alarmada do azulado que se aproximou da porta para enxergá-la melhor. Não havia meios de ter certeza, estava tão lotado quanto o metrô que ele estava e o vidro ficou embaçado com sua respiração.

Suas tentativas foram cessadas quando outra parede os dividiu e ele não pôde mais vê-la. Ele voltou a posição inicial e se pôs a pensar. Um nome veio diretamente aos seus pensamentos.

Marinette Dupain-Cheng.

Como esquecer daquela garota de marias-chiquinhas, na época tinha acabado de entrar para o ensino médio. Conheceram-se no outono, num show de Jagged Stone – que mais tarde descobririam ser ídolo de ambos. Ele não se lembrava de tudo, faziam mais de dez anos daquele tempo e pelo menos seis que nunca mais a viu. A azulada tinha o sonho de ser uma grande estilista e possuía um talento incontestável. O Couffaine nunca duvidou de suas conquistas, mas, para ele, o tempo passou rápido demais e seu primeiro amor partiu sem hesitação.

Jamais a julgaria, a não ser que ela tivesse desistido. Um futuro promissor a aguardava e ele sabia pelas notícias que rondavam Paris, vindas direto de Nova Iorque. Recentemente ele não a acompanhava mais, acabou-se por se afastar das manchetes que traziam seu nome estampado. Doía não ter tido a chance de ouvir uma resposta.

Luka se declarara na primavera de 2013, pouco antes dela receber a proposta de sair do país. O azulado escrevera uma carta e gravara uma música de sua autoria, a qual passou meses compondo. Ele nunca obteve uma resposta e estaria mentindo para si próprio se dissesse que não ficou chateado com ela. Teria exagerado? Talvez, mas num nível tão elevado que não merecia uma resposta? Não. Ele merecia uma resposta, independente da negativa. Continuaria respeitando-a como de costume.

Luka coçou um dos olhos, as portas do metrô se abriram, as lembranças sugaram o resto de suas energias e o seu bom humor. Sua vida andava corrida demais para relembrar de coisas que o machucavam.

No começo, depois de sua partida, Luka evitava Kagami. A asiática se parecia muito fisicamente com ela, principalmente os cabelos lisos e azuis. Por muitos anos, seu atual namorado Adrien Agreste foi o sonho da Dupain-Cheng. Quantas vezes ele a viu cabisbaixa por ele? Após ela sair do país ele revelou que sempre soube dos sentimentos dela por ele, mas preferiu fingir que não percebia para não magoá-la. Obviamente o guitarrista quis socá-lo na época, no entanto, de nada valia o esforço, tudo mudara.

Luka ficava inconformado com as soluções que o Agreste encontrava, mais tarde ele percebeu que era a maneira do loiro de ser. Como na vez em que ele e Kagami tiveram uma discussão e ele, sem saber, encheu o quarto dela de flores que em sua cultura significam morte. Adrien acabou sendo perdoado por sua total falta de noção.

Suspirou, sentou-se sobre os lençóis e retirou os coturnos pretos, libertando seus dedos do pé – cansados de andarem o dia todo. Tomou uma ducha rápida para se livrar dos resquícios da chuva e adormeceu antes que sua mente quisesse brincar com seus sentimentos outra vez.

~*~

Os fios úmidos pingavam em seus ombros molhando seu casaco favorito. Aquele temporal a pegou de surpresa, não esperava uma noite chuvosa justo no dia que esquecera seu guarda-chuva e optara por não usar seu carro.

Seus calcanhares subiam e desciam com sua impaciência. Precisava chegar em casa logo, comer alguma coisa, tomar um banho e mergulhar em seu edredom grosso. Preferia ter ido a pé e parado em algum restaurante, mas o clima não estava favorável e certamente teria que andar bem mais. Os pés já doíam o suficiente dentro das botas de salto médio.

Seu transporte parou na estação com seu barulho característico, toda vez que o ouvia se lembrava do vapor emanando das panelas do seu fogão. Agradável e significativo. Preferiu se isolar em um canto, de costas para a janela, não estava com ânimo para ficar encarando as paredes do subsolo se movendo rapidamente.

De forma ágil, passou por um cronograma mental, buscando ajustar sua rotina aos horários do dia seguinte. Com um grande evento em processo de elaboração – que particularmente achava a parte mais estressante – vinham grandes responsabilidades. Precisava encontrar um lugar, fazer a contagem de convidados, decidir as posição das mesas, do palco, luzes; encontrar uma decoração que ornasse com os figurinos disponibilizados. Enfim, nunca pensou que como estilista teria que pensar em todos estes detalhes minuciosos que fariam a diferença na divulgação de sua marca que estava crescendo.

Fora de Nova Iorque não era conhecida, mesmo em Paris ainda era a filha dos donos da melhor padaria da França, dificilmente alguém se referia a ela de outra forma. Contudo, apenas relevava, não almejava o sucesso para ter fama, queria se realizar na carreira porque realmente gostava do que fazia. Marinette sempre visou fazer as coisas com amor.

De súbito um arrepio percorreu sua nuca, como se de alguma forma as paredes atrás de si a observasse, ela olhou para trás bem no momento em que o outro metrô sumia de sua vista. A azulada teve a impressão de ter visto alguém ali.

Alguém que, mais tarde, ela descobriria conhecer melhor do que imaginava.

Depositou sua bolsa sobre a mesa de centro, pesada pela quantidade de catálogos e rascunhos dentro. Sequer os olhou, tirou o casaco e foi se despindo até chegar ao banheiro. Optara por ficar em seu próprio apartamento ao invés da movimentada padaria de seus pais. Desde que atingiu a idade adulta preferiu ter o seu canto, com as suas bagunças, as suas regras e sem ninguém pra reclamar dela andando nua pela sala.

Tomou um banho longo e relaxante, evitando pensar no dia de amanhã e aproveitando o presente momento. Marinette aprendeu muito tarde que não devia sofrer por antecipação.

Enjoy The SilenceDonde viven las historias. Descúbrelo ahora