Ponto-chave

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Luka inspirou devagar e deixou que o ar escapasse de seus pulmões lentamente.

– Thierry? – Tentou chamar o garotinho de cabelos encaracolados pela sétima vez, sem sucesso. Todas as suas abordagens e estratégias para fazê-lo se concentrar foram falhas. – Precisamos completar o exercício agora – explicou o mais calmo possível, a mão posicionada no alto da cabeça do pequeno, afagando-a.

Não bastasse os acontecimentos da noite passada, acordara na manhã de sábado com uma dor de cabeça aguda e fora dar aula particular de piano para o seu mais exclusivo aluno.

O menino o espiou pelo canto do olho, – mais especificamente na altura de seus ombros, não fazia muito contato visual – mas continuou sem responder. A família do garoto apreciava música clássica e exigiram que ele aprendesse pelo menos um trecho da vigésima terceira sonata de Beethoven – que ao todo durava mais de vinte minutos e era dividida em três momentos. O piano de cauda que possuíam na imensa casa era de uma fineza – branco com adornos dourados e impecavelmente limpo, – um instrumento que Luka teria poucas chances de tocar outra vez na vida senão naquela oportunidade.

No entanto, o trabalho era árduo, pois Thierry tinha uma especialidade diferente da maioria de seus alunos pianistas. Ele é autista e demonstra seu cansaço com o silêncio, diferentemente do estereótipo que Luka escutava sobre serem agitados, gritarem e serem incontroláveis. Com o tempo, o azulado aprendeu que cada um tem o seu jeito singular, que quem deveria se adaptar não era a criança de sete anos a sua frente, mas ele mesmo tinha que se adequar a Thierry.

O garoto aprendia rapidamente, motivo de seu cansaço frequente.

– Você quer descansar um pouco? – perguntou a ele que continuou sem responder, sua perna mexia de uma maneira frenética, os ombros arriados, cabeça baixa. Ele parecia incomodado com algo.

– Vejamos – Ele se levantou e encostou a porta para que não fossem interrompidos, voltou a se sentar ao piano alongou os dedos e os posicionou sobre as teclas requintadas – Que tal algo diferente?

Ele começou a dedilhar as teclas com uma canção num tom mais brando e calmo, ao mesmo tempo um ar melancólico, de uma banda conhecida e adorada por ambos. A música Nothing Else Matters fluía pelo cômodo, enchendo-o de paz.

Conforme os minutos passavam, o menino respirava fundo e balançava a cabeça prestando atenção nas notas e na forma como seu instrutor manipulava o instrumento sabiamente, totalmente concentrado. Aos poucos ele ergueu a mão direita para substituir a de Luka nas teclas, e no meio da música já estava tocando sozinho, respirando e apreciando a forma como as notas agradavam aos seus ouvidos.

As últimas notas foram tocadas com um suspiro longo dos dois. Gostavam muito de rock, apesar da música clássica ser o maior foco das aulas de Luka.

– Como se sente?

– Melhor – respondeu com certa timidez – Agora podemos continuar. – ele esticou os dedinhos magrelos e voltou a fazer os exercícios excepcionalmente.

O rapaz suspirou aliviado, seu aluno tinha seus próprios momentos e ele precisava respeitá-lo, com paciência e sutileza. Um nunca era igual ao outro, mas gritar ou obrigá-lo de nada adiantaria. Luka se recordou do porquê de ter escolhido aquela profissão para si.

Profissão mágica.

~*~

Fechou a porta com um pontapé sutil, as mãos ocupadas pelas duas ecobags que carregava cheias de produtos para a casa. A bolsa de carregar seu suporte de partitura machucava seu ombro esquerdo por conta da alça transversal.

Enjoy The SilenceWhere stories live. Discover now