Capítulo 12.2

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Finn

           Minha sobrinha não melhorava mesmo, ela já não estava mais vomitando por aí e sentindo dor. Mas estava definitivamente gripada, ainda com febre, corpo mole e muita dor de cabeça. Eu sei que Noah estava nesse mesmo pique porque não estava indo trabalhar. Como eu sei disso? Eu posso não trabalhar naquele lugar, mas eu ainda sou o dono daquilo.
            Ir para o trabalho hoje foi muito cansativo, fiquei horas dentro daquele estúdio com meus dois colegas de trabalho editando duas músicas. Mandei os chocolates para casa da Millie, mas só depois do almoço porque não queria parecer desesperado.
            Eu estava ouvindo a mesma música pela milionésima vez para ajeitar algumas batidas, e mudar algumas notas de lugar quando meu telefone começa a vibrar, Malcolm e Mick me deram um olhar de confirmação, pausaram a música e olharam para mim.
            - Ei, a gente aproveita e vai pegar um café – Mick disse pegando seu casaco marrom enorme, o cara era de Nova York e usava casaco para tudo que é canto.
            - Quer alguma coisa? – Malcolm perguntou procurando seu celular na muvuca de partituras em cima da ampla mesa de som.
            - Um café também.
            Meu telefone parou de vibrar, e eles saíram pela porta contra sons e choques me deixando sozinho com um celular vibrante de novo, vi que era um facetime com Nick, o que fez minhas sobrancelhas se arquearem. O atendi, vendo a cara da minha linda sobrinha com o nariz e olhos vermelhos, com o cabelo muito bem penteado em um rabo de cavalo. Onde ela estava?
            - Ei tio Finn – Ela começou me cumprimentando com uma voz toda nasalada – Mandou os chocolates?
            - Mandei entregarem depois do almoço – Falei passando a mão no meu cabelo, movimento que Ariel reparou bastante, ela começou a me encarar de um jeito diferente, espirrou duas vezes enquanto me deixava nervoso com seu olhar penetrante.
            - Tio Finn, por que você não corta seu cabelo?
            - Meu cabelo? – Perguntei colocando a mão nos meus grandes cachos que caíam pela minha nuca.
            - Sim, deixar mais curto – Ela falou espirrando mais uma vez com um lencinho na mão – Você já teve um glow up de guarda-roupa, pode ter um de cabelo.
            - O que você está fazendo, Ariel? – Ouvi a voz de Nick e o rosto da minha sobrinha indo para vermelho, ela tinha com certeza pegado o telefone de Nick sem ele saber.
            - Estou falando com tio Finn, diga oi! – Ela virou a câmera para o enorme escritório de Nick na empresa de meu pai, o que fez com que minhas sobrancelhas chegassem no meu cabelo.
            - Você levou uma menina doente para seu escritório? – Perguntei enquanto notava Nick se aproximando da câmera de seu telefone.
            - Eu deveria deixá-la sozinha em casa? Ayla precisou sair.
            Certo, não iria perguntar para onde, se ela estivesse realmente grávida tenho certeza de que Nick contaria para todos e ele faria isso principalmente quando tivesse confortável.
            - Tudo bem, tudo bem – Respondi – Sua cara está horrível.
            - A sua nasceu assim – Ele respondeu, antes de Ariel virar o celular para seu próprio rosto revirando seus grandes olhos castanhos escuros para mim.
            - Corte o cabelo tio Finn, você usa esse cabelo desde sempre. A vovó me mostrou umas fotos suas de adolescente, e você usa a mesma coisa... mude.
            - Você é muito mandona.
            - Isso é porque eu sei o que é melhor, tenho que ir agora, tio Noah disse que se eu tirasse mais de 8 na prova de matemática poderia ganhar qualquer brinquedo da loja de brinquedos.
            - Tudo bem, então.
            - Tchau tio Finn, te amo.
            - Também te amo princesa – Respondi assim que Ariel desligou o telefone.
            Abri a câmera do meu telefone para olhar meu cabelo, e quer saber de uma coisa? Cabelo cresce. Eu nunca realmente tinha cortado o cabelo para valer, apenas aparado as pontas. Talvez minha sobrinha estivesse certa e eu deveria cortar.
 
            Não sei por quanto tempo fiquei deitado nas pernas do meu pai enquanto ele mexia meu cabelo, ele se agarrava em mim com tudo que podia, e eu me agarrava a ele. Dormi por umas três horas seguidas. E nada de Hannah ainda, nem uma única notícia.
            Depois de mais duas horas vi minha mãe vindo na nossa direção, me levantei. Ela estava com lágrimas em seus olhos, vestia um tipo de túnica azul e um gorro que cobria os cabelos pretos lisos dela. Corri até minha mãe que me abraçou com tudo, ela me apertou sem seu peito.
            - Oh meu garoto – Minha mãe disse enquanto eu voltava a chorar mais um pouco, seus dedos desfaziam alguns cachos que eu tinha demorado horas para arrumar, mas dessa vez eu nem ligava mais.
            Assim que me soltei da minha mãe, vi meu pai e minha madrasta atrás de mim olhando para minha mãe com uma dúvida enorme no rosto, olhando como se minha mãe tivesse alguma notícia para nos dar, a olhei. Ela sorriu para mim, e depois voltou o olhar para Jane.
            Minha mãe andou até Jane e as duas ficaram se olhando por muito tempo, meu pai olhava de Jane para minha mãe sem saber como reagir aquele encontro, e eu acompanhava seu olhar sem entender nada.
            - Ela... – Jane começou sem continuar seguir suas palavras, minha mãe juntou as mãos e engoliu em seco – Mary, a verdade.
            O que estava acontecendo?
            - Ela teve um derrame na mesa – Minha mãe falou, os olhos de Jane se arregalaram e sua mão voou para a boca, seus olhos começaram a lacrimejar e olhei para meu pai que passava a mão no cabelo repetida vezes, eu sem entender o que isso significava – Estão tentando salvar a visão dela...
            Meu Deus.
            - O fígado não está nada bom, está corroído... acho que ela fez isso por muito tempo, porque as feridas nele são antigas e novas, os rins estão quase parando... estamos fazendo de tudo. Talvez ela precise de um transplante.
            Jane voltou a chorar incansavelmente, enquanto eu olhava para meu pai paralisado que não sabia bem o que fazer, mas nada disso me assustou mais do que quando minha mãe abraçou minha madrasta.
            - Eu não posso perder minha filha, Mary – Ela disse se afundando no pescoço da minha mãe que a abraçava de volta, minha mãe assentiu dando um colo para minha madrasta naquele momento. Olhei para meu pai que apesar de tudo, tinha um sorriso mínimo no rosto – Se eu a perder, vai ser o fim da minha vida... Eu não posso perder minha filha.
            - Eu vou fazer de tudo, eu prometo – Minha mãe respondeu a soltando e alisando seus dois braços.
            Minha mãe me deu um sorriso antes de voltar de onde tinha saído, meu pai foi atrás de Jane que se sentou nas cadeiras de espera dos hospitais sem conseguir raciocinar muito bem, com o olhar vazio, eu conseguia imaginar as engrenagens rodando na cabeça da mãe de minha irmã.
            Depois de algumas horas, minha mãe voltou mais uma vez com um sorriso no rosto.
            - Conseguimos salvar os dois rins, tudo certo no cérebro, mas afetou um pouco a visão dela e o fígado... ela vai entrar na lista de transplante, primeiro lugar – Minha mãe disse.
            - Eu e Hannah temos o mesmo sangue, talvez seja compatível – Meu pai disse chamando a atenção da minha mãe e da minha madrasta, as duas começaram a conversar sobre alguma coisa da qual eu não entendia.
            A única coisa que aconteceu foi meu pai assinando milhões de papéis, e sendo chamado para uma ressecção de intestino, que eu não sei o que significa, sendo arrumado para uma cirurgia para doar metade do seu fígado para minha irmã.
            Fiquei sentado com a minha madrasta na sala de espera enquanto meu pai e minha irmã passavam por uma cirurgia, sendo a cirurgia do meu pai para salvar a vida da minha irmã.
            Jane ficou conversando comigo enquanto isso, tentando me explicar do jeito mais fácil o que estava acontecendo com a minha irmã, eu tinha 15 anos e conseguia entender a maioria do que ela estava falando, mas no final só o que importava é que todos estavam lutando muito para salvar a minha irmã, para que ela não morresse.
            - Você... vai mesmo... se divorciar do meu pai? – Perguntei enquanto cruzava as pernas naquelas cadeiras desconfortáveis.
            - Finn... – Jane começou.
            - Tia Jane... eu... se vocês se separarem... vou poder continuar vendo minha irmã? – Perguntei, notei lágrimas caindo de seus olhos – Não posso ficar sem minha irmã, não posso.
            Minha madrasta passou os dedos nos meus cabelos, tentando ajeitá-los mais e mais. Então suas mãos alisaram minha bochecha e ela me deu um beijo na testa molhado, enquanto sentia as lágrimas caindo no meu coro cabeludo.
            - Eu nunca seria capaz de separar você da sua irmã – Jane falou, e eu assenti.
            Uma parte de mim relaxou ao saber que se qualquer coisa acontecesse entre meu pai e minha madrasta, eu poderia falar com Hannah e estar com ela, porque depois de hoje, tudo que eu quero é estar com a minha irmã. Quero ficar com ela, quero cuidar dela, quero vê-la crescer, e por Deus, quero vê-la se casando, se apaixonando por alguém que não a faça mal, quero vê-la fora desse mundo horrível que ela entrou.
            - Tia Jane... – Olhei para ela mais uma vez que tentou me dar um sorriso, e as vezes me impressionava a diferença de Jane, ela era tão doce, tão amável e carinhosa, mesmo quando seu mundo estava desmoronando – Existem coisas que valem muito a pena lutar, sua família com meu pai é uma dessas coisas... me inspiro em vocês para um dia me casar e formar uma família... porque o jeito que meu pai olha para você, é como quero olhar para alguém algum dia.
            Ela sorriu e assentiu engolindo em seco.
            - Não desista antes de lutar, pelo menos isso – Falei por último.
            - Sua namorada é uma menina de sorte se você pensa tudo isso – Ela falou tentando amenizar as coisas, eu dei de ombros.
            O que me fez lembrar que antes de toda a briga com a minha irmã e meu pai, e ela literalmente sofrer uma overdose fortíssima, eu estava indo para seu aniversário e nem a avisei de que não poderia ir, mas ela ia entender. Ela tinha entendido até agora porque ficava sempre preocupado, porque desde que Hannah se tornou isso... eu não consegui dormir bem.
           
            Mais algumas horas se passaram e mudamos de lugar, meu pai tinha saído da sua cirurgia e estava dormindo com uma paz na maca de um quarto luxuoso do hospital. Eu estava sentado no sofá branco de couro, enquanto minha madrasta estava apoiada na janela olhando para o mundo a fora, quando meu irmão Nick entrou dentro do quarto. Ele olhou para mim, e então para a minha madrasta.
            Nick foi abraçá-la e se sentou do meu lado me dando um tapinha nas costas e alisando meu joelho.
            - Como ela está? – Meu irmão perguntou encarando a minha madrasta que estava bem melhor, depois de 9 horas em um hospital, lágrimas te faltam.
            - Na cirurgia, teve um derrame, conseguiram salvar os rins dela e recebendo um fígado, mas estão tentando agora o coração e o pulmão – Logo em seguida, minha madrasta respirou fundo.
            Meu irmão assentiu.
            - Isso é tudo culpa minha, se eu tivesse sido mais um irmão para ela... ao invés de ignorá-la – Nick disse passando as mãos nos cabelos e encostando a coluna nas costas do sofá aveludado.
            - Não, fui eu que a deixei sozinha todo esse tempo, fui eu que preferi viajar com seu pai ao invés de estar aqui para ela – Jane disse cruzando os braços e se sentando na poltrona branca com suspensório de pernas, do lado do meu pai.
            A culpa era sim dos dois. Na minha cabeça ninguém conseguia mudar isso, ninguém mesmo. Eles tinham feito isso com a minha irmã, eles eram o responsável por matar a minha irmã e fazê-la confiar em mim e em seu namorado estúpido. Aquele idiota, eu o odeio.
            - Me empresta seu telefone? – Perguntei para Nick que me olhou com dúvida – Deixei o meu em casa.
            Ele me entregou seu celular, eu me retirei do quarto do meu pai e me afastei o bastante indo parar em uma passarela do hospital vidrada onde não passava ninguém, as vezes uma pessoa de jaleco com sangue na mão passava correndo, ou uns paramédicos andando.
            Entrei no aplicativo instagram e entrei na minha conta, pedindo para Ivy o número de Jacob, ignorando completamente suas perguntas do que tinha acontecido e por que eu não tinha ido na sua festa estúpida, até ela eu odiava agora, minha irmã está morrendo e ela está preocupada com alguma coisa fútil como seu aniversário de 15 anos?
            Liguei para ele assim que ela parou de fazer perguntas e me deu o número de Jacob, eu o liguei no mesmo momento, ele atendeu no quarto bip com a voz claramente de quem acabou de acordar.
            - Espero que você esteja feliz – Cuspi no telefone.
            - Finn? – Ele perguntou – Algum problema?
            - Sim, a porra do problema é você, eu não quero você perto da minha irmã – Eu gritei no telefone.
            - Cara... não se mete nas minhas coisas com Hannah...
            - Não me meter!? – Perguntei realmente irritado e realmente querendo matá-lo, se eu tivesse uma oportunidade eu faria – Minha irmã pode morrer por causa de você, e você quer que eu não me meta? Jura?
            - Do que você está falando? – Ele perguntou agora muito surpreso, tão surpreso que quase me convenceu de que ele se importava com a minha irmã.
            - Hannah está no hospital em uma cirurgia e corre risco de vida, seu idiota – Falei antes de desligar.
            Enquanto eu voltava para o quarto do meu pai, Jacob ligou 23 vezes. 23 chamadas perdidas que eu fiz questão de ignorar, e ele só não ligou mais porque bloqueei seu número restringindo qualquer chamada que viesse dele. Que ele morresse e queimasse no inferno com toda aquela porra que ele coloca no corpo.
            Eu nunca deixaria ninguém mais machucar a minha irmã, nem meu pai, nem minha madrasta, nem meu irmão, nem ela mesma e muito menos eu. Eu iria cuidá-la antes de deixar qualquer pessoa entrar em sua vida.
            Hoje eu posso perdê-la, cada minuto que passa fica mais sufocante ainda respirar, fica pior. Porque ela simplesmente não sai da mesa de cirurgia e ninguém nos conta nada por estarem tentando salvar a vida da minha irmã, hoje nada mais importa na minha vida, do que ela. Porque não posso de jeito nenhum perder minha irmã, nem hoje e nem nunca.
            Ela é a minha irmãzinha.
            A garota que compra presentes para minha namorada quando eu esqueço as datas importantes, a menina do sorriso mais lindo que eu já vi, é ela que me encoraja em todos os meus sonhos e que me apoia em tudo, acredita em mim quando ninguém – inclusive eu – consegue acreditar. Eu não posso viver sem ela, porque ela parte de mim, somos feitos do mesmo material e ninguém vai me tirar dela, nem mesmo a porra do destino. Nem que eu dê a minha própria vida hoje, minha irmã não vai morrer hoje.
            Não hoje.

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