A primeira agressão

58 28 58
                                    

Já estava pronta para pôr em prática tudo o que tivera ensaiado no caminho, quando fui assombrada por um grito de dor vindo da minha casa e fui guiada até lá por gemidos tenebrosos de dor que confirmei ser de minha mãe quando avistei-a no chão da sala cercada por cacos de vidro.

- Mãe... - Chamei, ajudando-a a levantar, com certa dificuldade, pois, seu corpo doía. - Foi aquele nojento quem fez isso, não foi? Nem precisas enrolar--me, eu sei que foi.

Uma onda de ódio me invadiu de tal forma que tudo que saía de minha boca acabava se tornando em questionamentos ásperos.

- Não, filha, ele não tem culpa, fui eu que provoquei. Ele não sabe o que faz está regado a álcool. As pessoas se descontrolam, tu sabes. - Eu tentava arduamente entender como ela conseguia defender aquele monstro, até que completou a fala: - Eu amo-o, filha.

Eu admito que chegava a dar vergonha quando ela falava de amor referindo-se àquele ser. Como raios alguém poderia amar quem lhe mata pouco a pouco, todos os dias? Sem nem questionar, ajudei-a a acomodar-se melhor na cama e, transbordando raiva, limpei os cacos de vidro que ficaram espalhados pela sala, revelando a tamanha violência do que tinha acontecido.

Eu já tinha feito aquilo milhares de vezes, mas a cada vez que eu limpava as feridas que ela ganhava com tremenda brutalidade, a dor trespassava a minha alma. Sem mínima vontade de controlo, deixei que rolassem lágrimas por minha face, indo parar sobre as mãos da mulher que gemia e se remexia de dor bem à minha frente, sobre a velha cama branca de madeira.

- Nana, sua imprestável, queres apanhar outra vez? - Sua voz, convertida em fúria, fez-se ouvir. - Às vezes parece-me que gostas quando isso acontece! Onde está a porcaria da comida?

Num ímpeto causado pela raiva, dirigi-me à cozinha, confirmando que a voz era do homem que não passava de meu progenitor.

- Aí estás tu, seu porco! - Cuspo com desprezo. - Da última vez, prometeste que nunca mais voltaria a acontecer! - As palavras saíam sem o mínimo controlo de minha boca, guiadas a meu pai pela força da raiva.

- Vê como fala comigo, menina! Ainda sou capaz de quebrar-te ao meio! - Ameaçou. - Filho nenhum fala comigo dessa maneira! Quem tu pensas que és, hã?

Sua mão pesada estava pronta para recair com força sobre mim, quando soltei:

- Vou denunciar-te e vais sair dessa casa!

- Ainda bem! Não terei bocas para alimentar! De qualquer forma, tu nada fazes nesta casa, quer saber aqui não ficas nem mais um segundo! - Suas palavras foram acompanhadas por um forte odor alcoólico. - És uma vergonha para esta família mulheres direitas não sobem o tom de voz com homens! Sai e nunca mais voltes!

- A minha mãe vem comigo. - Falei confiante. - Não saio daqui sem ela!

- Ah, não sabes o grande favor que me fazes. Vocês não passam de duas imprestáveis que nem sequer têm onde cair mortas!

E, num gesto brusco, agarrou-me pelo braço e me levou em direção ao quarto onde minha mãe se recuperava. As lágrimas teimavam em escorrer por minha face, me sentia preenchida por um incómodo que eu não possuía ideia do motivo, o aperto no meu braço passava despercebido na minstura de dores que eu sentia no momento.

- A sua filha, seu amor, vai sair dessa casa. E tu sabes que aqui mulher que me sobe a voz, não fica. Então, vais acompanhar a tua filhinha ou permanecer ao lado do seu marido, como uma mulher de respeito?

- Desculpa, Neila, mas não posso deixar teu pai.

- Como assim não podes? - O tom de surpresa era totalmente notável em minha voz. - Mãe, esse homem só não a matou ainda porque precisa de alguém que o sirva de empregada. Será que não vê?

- Sinto muito, Ney, mas não posso.

- Certo. - Disse. - Como queira.

A Minha IdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora