Capítulo 13.

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É estranho despertar numa cama que não é a minha, ainda mais estando ao lado de Pedro. A noite passada foi, sem dúvidas, agradavelmente inesperada. Encontro-me com uma leve sensação de estar vivendo algo utópico, quimérico, metafórico... é como dormir e acordar sentindo um frio na barriga. É bom voltar a vivenciar tudo isto, mesmo que eu esteja sentindo receio.

Há dois dias Pedro escreveu para a Condessa informando-lhe que a relação entre eles havia chegado ao fim. Antes de enviar a mensagem, ele me procurou e mostrou o que tinha escrito para a ex amante. As palavras de Pedro foram pragmáticas, curtas e apáticas. Não me recordo de todos os detalhes, mas os trechos que mais me chamaram atenção diziam algo como:

"Não posso continuar neste relacionamento [...]"; "Eu estava deslumbrado e confuso acerca de meus sentimentos, mas entendi que o que nutríamos um pelo outro nunca foi amor [...]"; "Quando notei que perdi as coisas mais importantes que possuo por inconsequência dos meus atos, o peso da realidade caiu-me sobre os ombros e, só então, percebi que recuperar a confiança de quem mais amo será minha tarefa mais árdua [...]"; "Teresa é e sempre será a única mulher em minha vida, jamais poderei pertencer a você [...]"; "E, por favor, Luísa, peço-te que entenda os meus motivos. Perdoe-me se a magoei, mas é preciso que saibas que muitas pessoas também ficaram magoadas pelo que fizemos [...]"; "Meu coração nunca terá espaço para outra que não seja a minha esposa."

As palavras de Pedro foram diretas e, após lê-las, não tive muito o que dizer. Fiquei satisfeita pelo que ele havia escrito e mais satisfeita ainda por ter me mostrado antes de enviar a correspondência. Mas me pergunto se isto foi suficiente para acabar com tudo que ele e a Condessa construíram durante meses.
Ao mesmo tempo que sinto-me contente por estar em reconciliação com Pedro, por vê-lo fazer as pazes com nossas filhas e perceber que a harmonia voltou a mostrar-se presente em nossos dias, tenho a impressão de que preciso desfrutar desses momentos antes que algo de ruim volte a acontecer e tudo acabe. Seria pessimismo de minha parte pensar assim?
Pedro tem se mostrado cada dia mais arrependido e disposto a mudar pelo nosso bem, mas os sofrimentos e incertezas que vivemos há alguns meses ainda me perturbam.

Após sairmos do museu, na madrugada anterior, seguimos para os aposentos de Pedro. Não me sinto aberta o suficiente para voltar a recebê-lo em meu quarto e em minha cama, pois é como se este passo fosse um dos pontos mais altos no nosso processo de reaproximação. Aquele quarto foi palco de tantas ocasiões especiais, não apenas para mim e para Pedro, como também para nossos filhos. Vivenciamos momentos em família, nascimentos e partidas, choros de felicidade, de tristeza ou preocupação, gargalhadas de alegria, discussões acaloradas e, principalmente, reencontros intensos.

Permitir que Pedro volte a viver naquele quarto, uma vez que ele mesmo decidiu partir, é voltar a dar-lhe um direito que foi mitigado por ele. É como reabrir uma porta que esteve fechada por muito tempo e por escolha dele.

Após a morte de Pedrinho, nosso caçula, houve uma ruptura entre nós. Não consigo dizer o que realmente nos fez chegar à conclusão de que dormir em quartos separados era a melhor opção, mas foi o que aconteceu. Nós estávamos destruídos, havíamos perdido outro filho e não existia nada que pudesse aplacar a dor que nos corroía.

Acredito que não há um jeito certo e previamente definido para lidar com a morte, sobretudo a morte de um filho. Os protocolos reais são realistas, precisos e friamente objetivos. Quando crianças, somos ensinados a segui-los sem questionar. Quando nos tornamos adultos, tudo que aprendemos é praticado no automático, até que temos de lidar com a morte. Não existe um manual que dite quais ações devem ser tomadas pelos pais que acabaram de perder seus filhos.

Há a crença de que reis e imperadores são seres superiores, como rochas inabaláveis, divindades ou sábios idôneos. A verdade é que somos como qualquer ser humano frágil. Após a morte de Pedrinho, o imperador preferiu se afastar e isolar-se num retiro de vários dias em Petrópolis, enquanto eu permaneci na Quinta, afundada num mar de tristeza. Quando perdemos Afonso, eu me apeguei à força que estava sendo nutrida em meu ventre e não me permiti desfalecer. Já na segunda vez, não havia mais força alguma dentro de mim que pudesse me ajudar a suportar tamanha dor. Fui incapaz de compreender como duas crianças saudáveis puderam ter suas vidas arrancadas de modo tão precoce e sofri pelas duas perdas de uma só vez.

Sinestesia - Pedresa Where stories live. Discover now