III - Uma queda ao precipício

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2000 Estados Unidos - New York

A vida humana olhada de fora parece ser realmente insignificante, um simples momento pode mudar toda a trajetória de uma pessoa, invalidando tudo o que já vivera. Agora, Benjamin se encontra invalidado, desacreditado e sem esperanças. Olhando para aquela vista, o mundo parece ser bonito e gentil, mas o que está vivendo é totalmente diferente.

Não quer mais viver.

Quer pôr um fim em tudo aquilo. 

Imagina que em outro espaço — o céu de preferência — não tenha mais preocupações, mas a julgar pelo que dizem, não terá essa oportunidade. Afinal, deseja agora, naquele instante, jogar-se em meio às nuvens para no final, pousar em um leito de concreto e enfim, tudo cessar.

Lilith detesta esse momento. O momento em que a pobre alma decide pensar em toda a sua vida até o instante 

que lhe trouxe até ali, a indecisão, os pensamentos de "e se". 

E se… Ah, esses são os piores. A ceifadora os detesta.

— Argh, por que não se jogar logo? — ela bufa enquanto anda impacientemente de um lado para o outro atrás de Benjamin, como se pudesse empurrá-lo de vez. — Me pouparia tempo, sabia? — como se a pobre alma fosse lhe escutar.

— Sabe que não é tão fácil assim desistir da própria vida, Lilith — Alfred a repreendeu enquanto permanecia parado, sentado na ponta do prédio, com as pernas balançando ao ar, os braços cruzados pacientemente. O oposto da ceifadora ao lado.

— Simplesmente uma perda de tempo!

— Dê-lhe tempo, você não tem muito o que fazer de qualquer forma, a não ser ceifar. Além do mais, pra quem tem tanto tempo de sobra… É de se admirar que seja tão impaciente.

— Ah, ótimo, obrigada por me lembrar, Alfred. Da próxima, me lembre também de não o trazer junto! 

… Não que Lilith tenha muita escolha quanto a isso.

— Como quiser, milady — respondeu ironicamente,  não ligando para as alfinetadas de Lilith, aprendera a não levá-la a sério com tanta frequência.

Em contrapartida aos dois, Benjamin continua parado pensando nos prós e contras, leigo a presença dos dois ceifadores presentes, esperando o momento de agir. Não estão ali apenas para carregar uma alma, mas para recrutar e por isso estão em dois — Lilith detesta essa tarefa, prefere simplesmente acompanhá-los pelo grande portal, não tem paciência e por este motivo, deixa a parte das explicações para Alfred.

Almas adeptas ao cargo — involuntariamente — tendem a precisar de explicações, a transição de uma vida humana para o além mundo demanda entendimento e paciência, pode ser difícil e conturbada, muitos demoram entender e aceitar.
Precisam aceitar-se…

Lilith não tinha essa paciência.

Benjamin olha mais uma vez para o além, para o abismo a sua frente, uma última olhada, uma última piscadela. Lilith ergue as mãos, quase roçando as suas costas, como se pudesse agilizar aquela cena, como se o empurrasse. Benjamin desprende os pés que antes pareciam chumbo o mantendo em superfície sólida e por um momento parece voar — o que não dura muito até a queda iminente.

Ela não desvia o olhar enquanto o jovem se debate no ar, cada vez mais próximo de seu futuro inevitável e por um instante, a queda parece ser lenta — mas não passa de apenas alguns segundos, talvez minutos, não sabe ao certo. Sempre fora curiosa, em sua vida como Vie. Embora, como Lilith, já tenha presenciado incontáveis mortes, cada uma delas era diferente e sabia que a visão a seguir não seria bela, mas já não a impressionava, nem amedrontava.

A alma que te habita Where stories live. Discover now