VIII - Do carmesim ao bordô

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Moldávia, Chisinau - 2001

Agora, Lilith observa um casal que não faz a mínima ideia de que futuro os aguarda e não sabe se deveria sentir pena ou até mesmo empatia pela garota, afinal já esteve em seu lugar em uma outra época, quando as coisas eram ainda mais difíceis. Ela observa sentada em frente a eles, no gramado do parque enquanto o casal coloca pedaços de frutas fatiadas em pequenos cubos um na boca do outro e por um momento, sente ânsia de vômito —, mas óbvio que isso é psicológico, ou algo do tipo, não é mais humana para sentir tais coisas.

Lilith olha as mãos dadas e a pulseira que envolve o pulso da garota se tornando cada vez mais uma tonalidade de vermelho escuro — bordô —, o tom fechando-se pouco a pouco, enquanto a dele permanecia carmesim. A ceifadora bufa, revirando os olhos e pensa consigo mesmo em voz alta o quanto isso é injusto. Naquele instante, queria poder trocar as pulseiras e dar uma morte terrivelmente dolorosa para o garoto que trai a namorada sempre que pode e que será o motivo da ruína da jovem tão inocente e sonhadora que sorria à sua frente.

Queria, mas não pode alterar as linhas traçadas, então apenas assiste a tragédia acontecer diante de seus olhos e aguarda o momento em que terá que escoltar a moça até o grande portal. Pensa no que poderia lhe dizer, se poderia consolá-la, mas ela é a pior pessoa para aquela tarefa, então quando acontecer, permanecerá quieta ao seu lado. Um conforto para si e para ela.

Porque nem sempre palavras podem consolar pessoas destruídas e palavras erradas podem arruiná-las mais ainda. E Lilith tem total convicção disso.

—★—

Lilith caminha atrás do casal enquanto eles andam de mãos dadas, a cesta de piquenique pendurada no braço do rapaz, enquanto a garota se enrosca no braço livre do namorado, a cabeça apoiada em seu ombro. A ceifadora caminha a passos lentos, queria poder acelerar o processo, levá-la o mais rápido possível dali, mas não pode agilizar o processo enfadonho e cruel.

Ela os segue até o apartamento da garota, onde se despedem e se separam, então Lilith o observa partir como se não tivesse a mínima culpa do futuro fazendo com que a ceifadora fechasse o punho para se conter.

— Inferno, como eu odeio isso! — Lilith odiava com todas as forças, mais do que todas as outras formas de morrer. Não é que não quisesse ajudar as pessoas, mas para fazer isso precisaria abdicar de si mesma e ela tem seus próprios objetivos até que possa desistir de si.

Na manhã seguinte, Lilith a segue, descobriu que seu nome é Emilia e que possui apenas vinte anos, é uma artista, percebeu pelos inúmeros quadros pintados espalhados pelas paredes de seu pequeno apartamento e que possui dependência  emocional. A garota é jovem demais, mas depende extremamente do namorado. A primeira vista poderia pensar que eram um casal feliz se os visse com outros olhos, em outro momento — com um olhar mortal, talvez —, mas já viu situações parecidas mais vezes do que consegue contar, ou lembrar, em séculos de vivência como ceifadora, consegue enxergar os sinais e percebe as blusas de manga longa que veste, mesmo com o sol quente sob suas cabeças.

A postura encolhida, a maquiagem forte em seu rosto e o distanciamento social dizem muito a respeito de Emilia. Agora, ela caminha com dois ingressos na bolsa de seu show favorito, Linkin Park. Radu acompanhava a banda desde seu lançamento e era louco para assistir um de seus shows presencialmente e Emilia estava prestes a realizar seu desejo.

A garota caminhava feliz e Lilith estava sempre um passo atrás observando-a —, mais precisamente, a tonalidade escura de sua pulseira, escurecendo mais e mais à medida que Emilia se aproximava da casa de seu namorado. Era o aniversário de namoro de dois anos deles.

A alma que te habita Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ