Capítulo 18.

578 75 12
                                    

Eu devia ter adivinhado.

Quando Rosé pediu para segurar minha mochila, eu de finitivamente deveria ter suspeitado que ela estava tramando algo, porque era óbvio. Em que universo Roseanne seria o tipo de pessoa que segura as coisas de outra por vontade própria? Mas eu disse a mim mesma que talvez ela só estivesse ten tando ser legal, e agora fica claro que esse tipo de raciocínio é o que vai acabar me matando. Incrível.

- Rosé, sério - digo, o pânico começando a subir pela garganta. - Cadê nossas mochilas?

Ela aponta com o polegar por sobre o ombro.

- No rio.

- No rio. -  repito, e alguma pequena parte do meu cérebro insiste que eu devo ter entendido mal, que não existe chance de ela ter feito algo tão estúpido e irresponsável.

Então me lembro de quem está falando comigo e, meu Deus do Céu, todas as nossas coisas estão no rio. Olho pela inclinação de terra em direção à água correndo turbulenta e penso que lá ao longe posso ver algo boiando...

Será uma mochila? Mas, mesmo quando saio correndo atrás - aparentemente pensando que posso ser mais rápida que um rio- seja lá do que era aquilo, já desapareceu de vista, e eu fico ali parada, com os pés enlameados e a respiração
descompassada entrando e saindo dos pulmões.

- Aquilo estava pesado - Rosé diz. - Já deve ter afundado.

Enfio as mãos nos cabelos, puxando-os um pouco da cabeça como se a dor fosse me fazer acordar desse pesadelo em que estou aprisionada no meio do nada sem qualquer equi pamento e com uma princesa arrogante, mas nada acontece. Machuca um pouco e ainda estou bem acordada.

- Por quê? - pergunto e então sacudo a cabeça. - Por que eu perco tempo perguntando? Você provavelmente nem sabe por que você faz essas coisas destrambelhadas.

- Destrambelhadas? - Rosé repete.

- Loucas - eu explico. - Insanas. Tão doidas que é difícil de acreditar.

- Sim, eu fui capaz de usar o contexto para entender o significado. Eu só nunca tinha ouvido essa palavra antes. Destrambelhada. - Ela abre um sorriso largo de dentes brancos. - Nossa, isso é útil!

- Sabe o que seria útil agora? Barracas. Bússola. Comida. Água. Todas as coisas que a sua cabeça destrambelhada jogou no rio. Você tem ideia de quão frio vai ficar esta noite?

Rosé revira os olhos.

- Francamente, Manoban, me dá algum crédito. Esse é um plano muito bem pensado. Eu perco nossos equipamentos no rio e, mais tarde, claro que eu digo que fomos vencidas pelas circunstâncias, que foi um acidente, e um acidente que nunca teria acontecido se o colégio tivesse sido mais cuida doso. Aliás, isso é algo com que você vai concordar.

- Eu definitivamente não vou concordar - respondo, mas Rosé ignora isso com um movimento elegante da mão.

- A gente não vai nem passar a noite aqui - Rosé continua. - Veja!

Ela enfia a mão no bolso traseiro e puxa seu celular.

- Eu vou chamar por socorro e contar a eles o que aconteceu. Em prantos, claro.

E, com isso, seu rosto se transforma, os cantos da boca viram para baixo, os lábios tremem, os olhos de repente se arregalando e se enchendo de lágrimas falsas.

- Eu nunca estive tão amedrontada em toda a minha vida - ela sorri. - Uma hora estávamos tentando atravessar o rio e, quando nos demos conta, tu-tudo estava na água e ficamos com... tanto medo!

Cruzo os braços sobre o peito, encarando-a.

- Eu não vou participar disso.

E tão rápido como surgiu, aquele ato ao estilo Miss Vitoriana acaba, e ela está de volta à Rosé comum de novo, imperturbável, levemente entediada. Dando de ombros, ela olha para o celular.

- Vou dizer que você está processando o trauma do seu jeito.

Estou prestes a dar uma resposta daquelas, mas então Rosé franze a testa, observando o celular em suas mãos.

- Não tenho sinal.

É minha vez de revirar os olhos.

- Claro que não. Estamos no meio do nada.

Ela levanta a cabeça e, pela primeira vez, algo como uma Emoção Humana Genuína aparece no rosto de Rosé.

Ela está apavorada.

O que é bom - era mesmo para ela estar apavorada - e também aterrorizante porque não sei como é uma Rosé apavorada, na verdade.

Ela está respirando um pouco mais rápido e seus ombros se movem para cima e para baixo, e a vejo olhar para trás e para baixo, como se esperasse que nossas mochilas fossem, magicamente, deixar de estar no rio.

- Então esse plano é "muito bem pensado" - digo, fazendo as aspas com os dedos e tudo - , e mesmo assim você não se lembrou de que não teria sinal de celular?

Ela faz uma expressão aborrecida e então volta a olhar para o celular. Talvez ela pense que pode dar um comando real e repentinamente fazer com que ele funcione - sabe-se lá o que ela acha.

- Eu pensei na parte das mochilas e na parte das desculpas, mas é possível que os aspectos técnicos tenham... me escapado - ela diz, afinal, e eu nunca quis tanto jogar uma pessoa morro abaixo quanto eu quero jogá-la neste momento.

- Os aspectos técnicos?

- Para de repetir tudo que eu falo! - Rosé está me encarando agora, e dou um passo para trás, com as mãos erguidas.

- Eu vou fingir que você não está cheia de marra pra cima de mim - digo. - Eu vou fingir que isso não está acontecendo, porque seria absurdo, considerando que tudo isso é culpa sua.

- "Absurdo" - ela ri com deboche.- Francamente, Manoban.

Então ela olha ao redor, mordendo o lábio inferior.

- Tá bom, isso não é uma emergência. Não estamos tão longe assim do colégio, então só precisamos andar mais ou menos naquela direção até chegarmos lá. E provavelmente vamos esbarrar com alguns colegas, de qualquer maneira, e podemos contar a eles que perdemos nossos equipamentos, então, sim. Sim, acho que isso pode ser resolvido e... ai, meu Deus, viado.

Ela está olhando para trás de mim, seu rosto ficou um pouco pálido, e eu congelo.

- O quê? - pergunto, com medo de olhar.

- Shhhh - ela ordena, sacudindo a mão. - Só... não levanta a voz. Está tudo bem.

Seu rosto e aqueles olhos arregalados parecem dizer que não está tudo bem de jeito algum, e posso sentir cada pelo do meu corpo se arrepiar.

- É um urso? - sussurro, e ela balança a cabeça.

- Ursos estão extintos na Coréia há...

- Centenas de anos, eu sei, não quero uma aula de história agora! -  murmuro e, finalmente, incapaz de aguentar, eu me viro.

E o "ai, Meu Deus, viado" de Rosé faz muito mais sentido.

SUA A.L.T.E.Z.A. REAL  (Chaelisa)Onde histórias criam vida. Descubra agora