2. O miúdo do café

5 0 0
                                    

Assim que entro no café, percorro a sala com o olhar.
Há quatro senhoras de meia-idade que chamam, de imediato, a minha atenção. Estão bem vestidas, os cabelos irrepreensivelmente arranjados e riem de tal forma alto que se torna contagiante.
Noto ainda o casal que está em outra mesa. Entre trocas de carinho e beijos apaixonados, creio que se esqueceram que o café é frequentado por pessoas de todas as idades. Consigo ver algumas caras escandalizadas e aquele abanar leve de cabeças em sinal de reprovação.
Encolho os ombros ao pensar que, talvez, seja isto o amor.

Quando os meus olhos encontram a última mesa percebo que estou em apuros. Ele está aqui! Como já me habituou, está integralmente vestido de preto. Os auscultadores de música cinza prendem-lhe o cabelo preto, evitando que este lhe caia sobre o rosto. O contraste entre a roupa escura e as tatuagens coloridas, que lhe cobrem a pele, adensa-se com o sol que atravessa a janela. Tem sobre a mesa o caderno de capa vermelha e uma chávena de chá fumegante.

Assim que sinto um rubor intenso espalhar-se pela cara, desvio o olhar e digiro-me ao balcão. Não faço ideia quanto tempo estive a observá-lo, mas espero que não o suficiente para ser notada. Inundo-me de perguntas para as quais não tenho resposta: Será que ele me viu? Devia cumprimentá-lo? Será que se importa que me sente com ele ou prefere estar sozinho?

Já com o americano na mão, procuro desajeitadamente o açúcar. Sem ter a oportunidade de decidir o que fazer a seguir, constato que não só ele me viu como caminha a passos rápidos na minha direção. Quando agarra levemente o meu braço, fazendo com que rode sobre os meus calcanhares e o encare, o vermelho, que se tinha praticamente dissipado, volta em todo o seu esplendor.

Sou patética, concluo-o por fim.

— Olá Marta! Já estás de saída? – pergunta ele visivelmente bem disposto. — Não consigo acreditar que estavas mesmo a pensar ir embora sem falar comigo – diz baixinho, com olhos pregados no chão.

— Só vim mesmo buscar um café. Preciso de me manter acordada; estou com imenso trabalho no atelier. – respondo. — hum... e eu não te vi, desculpa! – minto descaradamente.

O sorriso dele torna-se ainda mais largo, expondo totalmente as covinhas que faz quando ri. Ele sabe que estou a mentir, mas não o diz.

— A Ana disse-me que costumas vir cá praticamente todos os dias. É um sítio sossegado para trabalhar nas minhas letras, mas hoje admito que vim para ver se te encontrava. – diz, passando as mãos pelo cabelo brilhante.

— Podias-me ter enviado uma mensagem. – murmuro.

— O mais provável era não me responderes. Ou responderes-me com monossílabos. – resmunga o Bernardo.

Tapo, instintivamente, a cara com as mãos. As mãos grandes e ligeiramente ásperas do Bernardo seguram as minhas, afastando-as. Quando abro os olhos, o sorriso dele é condescendente. 

Coisas que guardei em mimWhere stories live. Discover now