Deusa Bruxa

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Um murmúrio foi ouvido quando a canção terminou.

- Não posso entrar na mente dela. - Ayumi bufou. - É como tentar entrar em uma multidão de pessoas em desespero, está em alta velocidade, uma bagunça.

Shivani observou Affra caminhar, cantarolando e movendo sua máscara de ossos como um animal enjaulado.

- Tente de novo. - Comandou sem olhar para a fada. Ela ouviu um suspiro em concordância.

Um instante. Dois. Affra parou de caminhar, as mãos dela pararam de se mover e ela ficou ereta. Avanços, Shivani percebeu.

Até que a deusa se lançou na direção deles. Shivani saltou no lugar, o coração acelerando enquanto ela via as mãos tentando alcançá-la através do abismo com apenas as correntes a segurando. Ela estava tão próxima e era tão mortal.

- Assim fazem os mortos, os que morrerão por suas mãos. Olhos vazios. Lábios amargos. Liberdade, traição. Triste contradição. - Recitou a mulher, batendo os ossos da máscara no chão, ela se agachou perto da borda como uma selvagem ou uma louca.

Shivani a observou. Ela assentiu para a mulher, batendo no chão com os nós dos dedos. Insano ou não, todo ser humano conhece uma linguagem de entendimento e conexão: a imitação.

- Amado. - Ela sussurrou, sua cabeça se voltando bruscamente para Asmus. Shivani soube que ela sorria, acenou para Asmus de aproximar. - Ah, solidão, solidão, solidão... - Disse ela saudosa.

Asmus se aproximou, ficando logo atrás de Shivani. Ele acenou com a cabeça, cumprimentando a deusa.

- Contradição. - Shivani ponderou, sorriu também.

- Tempo, tempo passa. Relógio não é tempo. Tempo é vida. - Ela repetia. - Tem muito tempo... - Ela se empertigou. - Libertem. Libertem a justiça. Fragmento.

Affra começou a tremer novamente, como se suas pernas sentissem a necessidade de voltar a andar em círculos, ela se levantou, a contragosto.

- Estamos perdendo ela! - Shivani gritou. Ela havia acabado de dizer uma coisa importante no meio de todo aquele enigma. Ayumi grunhiu. Affra parou antes de voltar ao percalço.

- Amado pode libertar a justiça, mas a guerra teme, a magia teme, o mar teme, o lobo anseia. - Ela sussurrou, começando a chiar. - Não importa. Soltem a justiça e derramem o dele sangue sobre a terra. Ou a morte o fará.

- Ela está falando de nós. - Shivani percebeu ao ver o movimento nos olhos dela. - Não são palavras desconexas, são codinomes.

Affra bateu os ossos no chão. Era um sim.

Shivani bateu os nós dos dedos com uma risada.

- Agora diga-me, deusa bruxa, precisamos soltá-la para pegar o fragmento?

- A espada corta a espada devora. A maldição é a espada e a justiça é a força. Não há caminho para a espada que não seja pela força. - A deusa rosnou.

- Está mentindo?

- Mentiras são para túmulos e túmulos são o preço. Estamos cercados por covardes? Tragam ao tigre a dupla face da moeda. Cortem as correntes e deixem que a justiça seja feita.

- Muitas palavras bonitas. - Shivani concordou, seus olhos brilhando na direção da gaiola com o fragmento. Ela podia vê-lo flutuando. - Mas o que acontece se a libertarmos?

Affra começou a mover a cabeça como se dentro dela houvesse um enxame. Ela riu e gargalhou e salivou. Em movimentos desconexos e brutos como os uma criatura possuída ela levantou suas mãos cheias de magia e puxou as correntes, batendo com força no chão da plataforma.

Preto Cinza e Tempestade - FortunataWhere stories live. Discover now