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Eu estava paralisada no topo da escadaria, apenas absorvendo a horrenda cena que ocorria diante de meus olhos enquanto prendia minha respiração. Sentia minhas mãos trêmulas e o suor frio escorrendo pela minha espinha, eu conseguia ver o sangue jorrando das costas do feérico — sangue dos cotocos escuros que despontavam de suas omoplatas. Sangue que agora encharcava a túnica verde de Tamlin em poças de cor vibrante e reluzente. Uma das facas do boldrié havia sumido.

Lucien correu para o saguão abaixo no momento em que Tamlin gritou:

— A mesa... abra espaço! — Lucien empurrou o jarro de flores para fora da longa mesa no centro do salão. O som do vidro se estilhaçando colocou meus pés em movimento e percebi somente agora a presença de minha irmã.

— Batedores o encontraram jogado sobre a fronteira — explicou Tamlin para Lucien, mas seus olhos dispararam até nós. — Ele é da Corte Estival.

— Pelo caldeirão — disse Lucien, avaliando os danos.

— Minhas asas — falou o feérico, engasgando, os olhos pretos e lustrosos arregalados, encarando o nada. — Ela levou minhas asas.

Tamlin fez um gesto com a mão, e água fervente e ataduras simplesmente surgiram à mesa. Minha boca secou, lembrava-me dessa cena mas nem mesmo minha imaginação fértil me preparou para tal barbaridade. A morte certamente pairava naquele corredor.

— Ela levou minhas asas — repetiu o feérico, estremecendo violentamente. — Ela levou minhas asas — disse ele outra vez, segurando a borda da mesa com finos dedos azuis.

Aproximei-me devagar do macho enquanto Tamlin pegava um retalho para mergulhar na água. Ocupei um lugar diante à mesa, e o fôlego foi puxado do meu peito quando olhei os danos.

Eu sabia quem ela era, percebi que não somente levou as asas dele. Tinha as arrancado.

Sangue escorria dos pretos cotocos aveludados nas costas do feérico. Os ferimentos eram pontiagudos — havia cartilagem e tecido partidos no que pareciam ser cortes irregulares. Como se ela tivesse serrado as asas dele, parte por parte.

— Ela levou minhas asas — disse o feérico de novo, a voz falhando. Enquanto ele tremia, o choque tomava conta, e a pele do feérico reluzia com veias de  ouro puro, irisdescentes como uma borboleta azul.

— Fique parado — ordenou Tamlin, torcendo o retalho. — Vai sangrar mais rápido.

— N-n-não — começou a dizer o feérico, e tentou se virar sobre as costas, para longe de Tamlin, daquela dor que certamente vinha quando o retalho tocava os cotocos em carne viva.

Foi instinto, ou piedade, ou desespero, talvez, que levou a Feyre a segurar os braços do feérico e empurrá-lo para baixo de novo, prendendo-o à mesa o mais cuidadosamente possível. Ele se debateu, forte o bastante para Feyre ter que colocar mais força em seus finos braços.

Eu não conseguia ficar parada. Não quando via uma criatura sofrendo tão intensamente em minha frente, sempre tive esse instinto para com aqueles que precisavam de minha ajuda. Seja compaixão, ou medo, ou até mesmo alguma forma de sentir que de alguma forma eu fizera o bem a alguém, de uma  forma totalmente egoísta. Seja o que for, não consigo ficar parada vendo a dor alheia.

Abaixada em sua frente enquanto o feérico debatia-se abruptamente, segurei seu belo rosto azulado, retirando os longos cabelos pretos que estavam grudados pelo suor e sangue, forcei-o a olhar-me nos olhos.

— Por favor — sussurrei. — Por favor, fique parado.

— Ela levou minhas asas — chorou o feérico. — Ela as levou.

ᏒᎬᏁᎪᎦᏟᎥᎠᎪ ᎬᎷ ᎪᏟᎾᏆᎪᏒ Where stories live. Discover now