Ampulheta

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O ruído da sua marreta arrastando no chão de pedra era o único som que preenchia a caverna. Mas era rapidamente substituído pelo som de ouro se quebrando e milhares de cacos de vidros se estilhaçando e de areia escorrendo pelas pedras até o chão e desaparecendo, como se nunca tivessem existido.

Assim que termina de quebrar aquelas ampulhetas ela rapidamente se dirige a mais um conjunto das mesmas, todas eram feitas de ouro e a sua areia era vermelha como sangue. E quando o último grão de areia caísse elas tinham que ser destruídas. Ela ergue a sua marreta, e, com a mesma facilidade com que se quebra pratos de porcelana, às quebras. Todas de uma vez.
Mal tinha terminado de quebrá-las e apressadamente se dirigi à outra ampulheta e a quebra, e depois quebra mais outra, e mais outra, e mais outra, e mais outra...

Desde que fora aprisionada essa era sua única tarefa, a sua existência antes com um propósito glorioso, agora se resumia a apenas quebrar todas as ampulhetas que conseguisse assim que elas chegassem ao fim. Não podia deixar nenhuma sobrando e não podia descansar, e não importava quantas quebrasse mais apareciam a cada segundo, tornando a sua tarefa árdua e inútil.

Não havia janelas, portas ou mesmo uma fresta entre as paredes, nada que permitisse alguém entrar ou sair ou sequer uma forma para que a luz do sol ou da lua pudesse entrar para ajudar a contar os dias. Como ainda não tinha enlouquecido? Ela não sabia explicar.
Mas sabia dizer exatamente há quantas horas, meses e séculos estava ali. E desde o dia em fora aprisionada, o seu plano de fuga já estava formado.

Quando estava prestes a quebrar outro conjunto de ampulhetas uma nova surge do outro lado da caverna, e ignorando a sua tarefa, ela corre até aquela ampulheta.
Não havia nada de diferente nela, era exatamente igual a todas as outras da caverna. Mesmo assim, ela e a olhou como se fosse a coisa mais preciosa do mundo e passou os seus dedos finos e esqueléticos pelas bordas douradas da ampulheta em total adoração, enquanto observava maravilhada um único grão de areia cair.

- Finalmente. - a sua voz saiu mais fraca do que queria, mal se lembrava da última vez em que falara alguma coisa- Não deve demorar muito para a outra surgir também.

Perto da ampulheta outras começaram a esvaziar. Muito calmamente ela caminhou até elas.
E pela primeira vez em séculos, ela sorriu. Um sorriso macabro e eufórico

- Eu só preciso esperar mais um pouco.

Com um movimento ágil ela ergue a marreta e as quebras. Todas. De. Uma. Só. Vez.

Ela ainda sorria enquanto observava a areia escorrer pelas pedras como se fossem sangue e ainda sorria enquanto observava a areia desaparecer, se transformando em nada.
E voltou a quebrar as outras ampulhetas.

A Bruxa da LuaWhere stories live. Discover now