1|Dia 00

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But your wings are devil wings

Sina Deinert


Eu ajeito minha bolsa em meu ombro, me permitindo soltar um suspiro que vinha segurando desde o começo do dia, quando descobri que havia sido promovida, denovo, ao cargo de sócia sênior da empresa onde eu trabalho.

Sinceramente, é o trabalho mais entendiante que poderia existir, mas eu o realizo com tanta facilidade e o salário é tão bom que não posso, em sã consciência, simplesmente desistir.

Eu ajeito a postura quando começo a subir a ladeira da rua de casa. Ontem a noite, por algum motivo, todos os postes pifaram. E a rua é deserta, além de estreita. Um arrepio percorre minha espinha.

Filmes de terror demais aconteceram nessas mesmas circunstâncias.

Me lembro de um ou dois golpes de autodefesa que aprendi, e faço um mapa mental de onde estão o spray de pimenta e o canivete em minha bolsa.

Uma mulher prevenida vale por duas, certo?

Estou quase chegando ao fim da rua quando ouço um gemido de dor. Meu corpo paralisa, pensando no que fazer.

Ou eu imediatamente ligo para ambulância, ou vou ver o que é ou ignoro e sigo meu caminho.

Outro gemido ecoa no ar, mas ele se torna uma arfada grave no final.

É definitivamente um homem.

Eu deveria ir lá? Meu coração acelera. Filha de um médico e uma hippie verdadeira, todo meu ser me força na direção do som, que vem de um beco lateral.

Pego meu canivete na bolsa, só por precaução, e adentro no beco. A visão de um corpo dobrado e aparentemente ensanguentado - a não ser que todo esse liquido seja suco, mas eu realmente não acho que seja esse o caso - me faz fechar os olhos e tapar o nariz.

Eu não tenho medo de muitas coisas. Filmes de terror com bonecos, crianças correndo na beirada de piscinas, meu ex namorado. A lista tem no máximo cinco itens, mas o primeiro é, sem sombra de dúvidas, sangue.

É mais como um pavor. Ver sangue me dá náuseas, um mal estar equivalente a comer dez pacotes de doces. E seu cheiro, Deus. Eu tinha vontade de vomitar as tripas só pelo seu cheiro.

Mas ali estava um homem indefeso, sangrando e gemendo de dor.

Junto todas as minhas forças e começo a me aproximar dele. O homem levanta a cabeça da posição que está,Meio ajoelhado, tentando se levantar e encara meu rosto.

Eu não posso dizer que ele encara meus olhos, já que estávamos na escuridão, mas a sensação que tenho é que ele vê através de mim, e é aterrorizante.

- Pretende me esfaquear mais um pouco? -Ele diz em uma voz rouca, fraca e carregada de sotaque. Seria isso...Italiano?

Eu estremeço com a intensidade do timbre de sua voz e tento me manter calma.

Certo, ele está se referindo ao meu canivete... Como um homem nessas condições pode estar fazendo piadas?

Fecho o objeto,salvador-de-vidas e o guardo na bolsa.

Broken Pieces•𝘯𝘰𝘢𝘳𝘵Where stories live. Discover now