Capítulo 44

809 91 8
                                    

Mil pensamentos passavam pela cabeça de Lucien a cada segundo. Era muito para assimilar; embora tentasse parecer casual e relaxado diante da parceira, a realidade se apresentava bem diferente. A ideia de ser - de ambos serem - reencarnações diretas de Annia e Dener... a mera possibilidade era assustadora. Se isso fosse verdade, então, o quê? Sua vida inteira teria sido uma mentira? Seu relacionamento com Jesminda havia sido fadado ao término antes mesmo de ter a chance de existir? E aquela coisa de "herdeiro do Sol"? Aquilo voltava à sua mente toda vez, mas cada pergunta levava a outra e outra e outra.

O silêncio reinava no interior da barraca, sendo interrompido apenas pelos sons baixos que vinham da festa que os soldados estavam dando - que Cedric estava dando. Mas, roubando um olhar fugaz na direção de Elain, Lucien reparou que ela não parecia inclinada a comparecer. De fato, a fêmea ficara em silêncio desde que ele lhe explicara que procuraria por Alis, uma antiga moradora da Corte Outonal, que posteriormente morou na Corte Primaveril e inclusive ajudara Feyre há muito tempo atrás. Como ia encontrá-la, Lucien não fazia ideia, mas se tinha alguém minimamente capaz de ajudá-los a resolver o mistério de Annia e Dener, seria Alis, ele tinha certeza. Sua parceira, com aquele vestido amarelo que parecia iluminar o ambiente, ainda estava sentada na mesma cadeira, as mãos no colo, observando a pequena caixa como se pudesse queimá-la apenas com os olhos.

Lucien permanecia deitado na beirada da cama, os braços cruzados atrás da cabeça, consciente demais da presença de Elain na barraca dele, mesmo que seus pensamentos estivessem repletos de preocupação. Queria tomar-lhe nos braços, afogar-se no cheiro de seus cabelos, enterrar-se nela e fodê-la com tanta força que ambos esqueceriam os próprios nomes, esqueceriam toda aquela merda e seriam apenas suor e respiração ofegante. Não podia deixar de se perguntar, não pela primeira vez, por que tudo com ele tinha de ser sempre tão complicado?

- Não posso deixar de me perguntar... - Elain interrompeu seus pensamentos, falando pela primeira vez em minutos. Lucien se apoiou nos cotovelos para olhá-la, mas a atenção da fêmea permanecia voltada para a caixinha. - Se isso é verdade, se nossas almas são, em alguma parte, as almas de Annia e Dener retomando o destino deles... Então nossas vidas até aqui foram o quê? Ecos das deles? Tudo o que vivemos, tudo o que sentimos, tudo o que... - Tocou a barriga, onde uma vez houve um filho humano. - Não foi realmente nosso, mas sim deles?

O macho não respondeu. Não sabia o que responder. Ao que parecia, as mesmas perguntas que rondavam em sua cabeça rondavam pela de Elain.A fêmea parecia alheia ao fato, inclinada a continuar expondo suas conjecturas. Lucien permitiu, ouvindo-a atentamente.

- Meus pais, minhas irmãs, meu... bebê... Tudo isso, tudo o que um dia conheci, tudo o que um dia vivi... Nunca foram realmente minhas experiências? Eu estava destinada a acabar naquele maldito calabouço, jogada naquele chão imundo, estraçalhada, morta e revivida pelo Caldeirão, apenas para que Annia pudesse voltar ao seu parceiro? Voltar para você? - Ela, então, levantou o olhar marejado para Lucien. - E Nestha? Nestha ter sofrido tudo o que sofreu foi um mero efeito colateral disso tudo?

As lágrimas silenciosas de Elain agora rolavam pelas bochechas alvas, o nariz adquirindo um leve tom de rosado na ponta. Estava linda, embora vê-la dessa forma estivesse trucidando o coração de Lucien. Lembrava-o demais de sua própria mãe, que ficava aos prantos silenciosamente todas as noite após voltar de uma das "conversas" com seu pai - apenas anos mais tarde Lucien descobriu que a "conversa" era, na verdade, ou seu pai a estuprando ou a espancando, embora a mãe sempre inventasse uma desculpa para o macho odioso, assumindo a responsabilidade dos atos dele. Agora, vendo a mesma expressão de mágoa aterrorizada no rosto de Elain, Lucien sentia-se novamente como um garotinho indefeso, que não sabia como livrar a mãe daquele tormento. O coração se afundou no peito, a sensação de impotência ameaçando tomar-lhe por completo.

Corte de Flores FlamejantesWhere stories live. Discover now