TÚMULO

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   Eu comecei a sentir falta de tanta coisa, comecei a querer ter tanta coisa e, ao mesmo tempo, comecei a não querer nada. O que diabos está acontecendo comigo?

Eu olhava fixamente para o teto branco daquela sala fria e silenciosa. Eu estava no hospital há duas semanas inteiras, já não aguentava mais ficar ali. Cansei de ouvir choros de mães com a morte dos filhos, ou filhos passando por momentos de dor.

Fiquei cansado de ouvir más notícias.

Eu fiquei cansado de tudo. Isso é possível?

Bom, se aconteceu comigo, creio que é.

Minha mãe deve estar tão preocupada, ela não deve dormir direito há dias e isso me preocupa.

Ela é tão alegre e não para quieta no sofá, às vezes vai à feira com minha avó ou minha tia, outras vezes tenta conseguir uma hora extra no trabalho só para não ter que ficar quieta, outras vezes me chama para ir ao shopping.

Só que agora ela não sai de casa por nada e eu estou preso na chatice de um quarto de hospital. Onde há o cheiro de desinfetante e remédios.

Meu pai trabalha de segunda à sexta, provavelmente está com o corpo no trabalho, mas a mente nesse quarto, em mim. Eu quero que ele trabalhe bem e não que ele fique pensando no meu estado (pois sei que está grave).

Minha irmã deve estar se saindo mal nos estudos, chorando nas sete madrugadas da semana e acaba dormindo durante as aulas, deixando de falar com amigos e se afundando na dor e na tristeza.

Eu odeio pensar nisso...

Por que eles se preocupam tanto? Eu não quero ver eles se dando mal com a vida, do mesmo jeito que eu me dei mal.

Quero que eles sigam em frente. Dane-se esse carinha chato nesse hospital inteiramente branco, mas que vai lentamente se afundando em ruínas.

Vai ficar tudo bem no fim e tudo isso estará terminado.

Não gosto de ser o motivo de tanta tristeza, acho que ninguém gosta de ser o motivo de uma coisa dessas.

Carregar esse peso é exageradamente insuportável, que bom que não tem nenhuma enfermeira ou enfermeiro aqui agora. Eu estaria despejando toda a minha indignação e tristeza nela ou nele.

Não faz sentido falar de sentimentos agora, em breve todos eles irão embora.

Os médicos não querem falar isso pra mim, mas eu já sei. A expressão estranha deles quando conversam baixinho para eu não ouvir nada entrega tudo.

Talvez seja para não gerar desespero em mim. Só que, sinceramente, eu não sinto medo da Dona Morte. Receber um abraço dela pode ser confortável e ninguém que o recebeu pôde falar porque morreu...

Eu estava entretido com os meus próprios pensamentos quando o chão começou a tremer, as luzes começaram a piscar e aquela sala não estava mais tão gelada assim. Eu vi o mundo pela janela e estava tudo morrendo e desaparecendo rapidamente.

Confesso que estava sentindo uma dose de medo, não sabia o que esperar ou desejar.

Será que agora é o momento que todos temem? Eu vou viver novamente ou será apenas o fim? Eu vou encontrar Deus e Ele me dará uma segunda chance? O que será que vai acontecer?

Eu não sabia o que pensar. Só sei que lágrimas começaram a sair dos meus olhos. Eu já estava imaginando as incontáveis lágrimas que sairão dos olhos da minha família.

Será que ela vai viver a vida que ela está destinada a ser ou será que vai viver na cama? Meu pai vai conseguir ser promovido do jeito que ele sonha?

Minha irmã vai se formar na escola e vai conseguir ir para uma boa faculdade? Meus primos, meus tios e meus avós vão ficar bem?

Eu só espero que para todas essas perguntas haja um belo e sublinhado sim.

Nos meus últimos minutos, vi os médicos entrando rapidamente no meu quarto, não conseguia entender o que eles diziam.

Só sei que eles fizeram de tudo, mas aquele momento já estava marcado desde o meu primeiro segundo em outro quarto de hospital há anos atrás.

Eles não podiam reescrever o meu script.

Sei que esse momento não é bom pra ninguém e já foi temido por todos pelo menos uma vez na vida, o trabalho deles não vai terminar com êxito e minha família não me verá chegar em casa bem.

A Morte voou até aquele quarto, passou pela porta daquele quarto e entrou educadamente no meio dos médicos.

A última coisa que vi foi um sorriso fraco vindo dela, ela sabia que aquilo era necessário, mas sabia que seria difícil para as pessoas que me amam.

Ela não pode evitar, é o trabalho dela.

Cordialmente,ela me envolveu em seus braços e me levou embora. Eu senti o seu abraço confortável, porém levemente gélido e apaguei.

Quando eu abri os olhos estava em um cemitério. As nuvens no céu estavam aos prantos e se encontravam cinzentas, na minha mão direita eu segurava um guarda-chuva e na esquerda segurava um buquê de flores esverdeadas.

Provavelmente aquele cemitério acabou de ser construído, pois não havia mais ninguém ali, apenas o meu próprio  túmulo.

Ou talvez fosse um lugar particular, em um mundo acessível apenas para mim.

Eu me despedi com um olhar infeliz no meu rosto. Então, tudo começou a escurecer e o guarda-chuva caiu da minha mão e o buquê de flores caiu no chão encharcado.

É o sinal de que chegou a hora...

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