Oxitocina

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   Eu costumava dizer pra mim mesmo que nunca mais me apaixonaria. Amar me machucou demais. Talvez a culpa tenha sido minha por não ter enxergado os sinais, mas isso é passado e estou bem novamente.

Mesmo tendo superado, decidi não me apaixonar por mais ninguém (como se eu pudesse escolher me apaixonar ou não).

Certo dia, eu estava na biblioteca pública da minha cidade. O prazo de devolução do livro que eu paguei tinha expirado e foi naquele dia em que tudo aconteceu. 06/05/18...

— Mãe, posso pegar seu carro emprestado para ir à biblioteca? – perguntei à minha mãe.

— Pode sim, mas tome cuidado.

— Não se preocupe, mãe!

Peguei a chave do carro, o livro e comecei a dirigir até a biblioteca, que era há uns cinco quilômetros de casa.

Chegando lá, estacionei meu carro e entrei no prédio. Era uma construção não muito antiga, mas ainda tinha a beleza que destaca a biblioteca dos outros prédios ao redor.

Andei até a bibliotecária e entreguei o livro.

— Boa tarde Rita, como vai?

— Vou bem e você, meu jovem?

— Também.

— O que achou do livro. Todas as pessoas que vêm aqui sempre procuram ele, eu mesma li e achei incrível.

— É uma obra de arte, fazia tempo que eu não lia livro de drama e foi uma ótima “ressurreição” pessoal do gênero.

De repente, uma menina passou atrás de mim e ouviu a conversa, provavelmente leu o título do livro em cima da mesa.

— Meu Deus, você está lendo A Cinco Passos de Você!

— Você também leu? – eu perguntei, me entusiasmando com o entusiasmo daquela garota.

— Óbvio que ela leu, eu acabei de falar que todos que vêm aqui sempre pedem esse livro – Rita falou com um toque de ironia na voz.

— Verdade. Só que estou com um probleminha: qual livro eu pego agora?

— Esse é seu problema? Não é mais. Conheço milhares de livros do gênero – Aquela garota segurou a minha mão e meu levou até o setor de livros de drama.

— Aliás, qual é o seu nome? – Eu perguntei enquanto era puxado pela biblioteca.

— Marília, a leitora maioral, muito prazer.

Nós conversamos a tarde inteira. Ela me indicou cerca de doze livros de drama e outros gêneros, confesso que invejei ela por não ter lido tanto assim.

Quando bateu cinco da tarde, a bibliotecária foi até as mesas no fundo da biblioteca, onde nós estávamos.

— Está na hora de fechar a biblioteca – Rita disse cruzando os braços, havia um sorriso maroto em seu rosto.

Quando percebi, não tinha mais ninguém além de nós três ali.

— É, chegou a hora de ir – Marília falou sorridente.

Nos levantamos e eu fui até a mesa da bibliotecária, quando coloquei o livro sobre a mesa.

— Vai reler?

— Não, é a primeira vez lendo.

— Você nunca leu A Culpa é das Estrelas?

Já ouvi falar, muitas pessoas elogiam, mas eu sempre enrolei pra ler. Agora a Marília me obrigou a ler – Nós três rimos.

— Concordo com essa atitude dela. Não tem como embarcar no gênero drama sem ler A Culpa é das Estrelas.

Ela colocou o papel com a data de devolução dentro do envelope na contracapa e me entregou. E, com prazer, levei o livro até meu peito, senti o cheiro de suas páginas e senti uma vontade imensa de começar a ler hoje mesmo.

Eu e Marília nos despedimos de Rita e fomos embora. E antes que eu entrasse no meu carro, ela se aproximou:

— Pode me passar seu número?

— É claro!

Me enfiei no meu carro, peguei uma caneta e um papel qualquer no porta luvas e anotei meu número.

— Taí, senhorita Marília – brinquei.

— Obrigada, tchau Jean.

Entrei no carro e dirigi até minha casa. Com ela e o livro na cabeça, ambos não saíam da minha mente de jeito nenhum. Estava louco para ler e estava quase enlouquecendo para ver Marília novamente.

Seu cabelo ruivo, seu sorriso sincero e gentil e sua personalidade irônica e simpática. Sem perceber, estava me apaixonando.

Os dias seguintes foram tão tranquilos.

Terminei o livro em quatro dias e no sábado levei até a biblioteca para devolvê-lo.

Marília estava no setor de mistério, o que me surpreendeu. Ela tinha cara de ler apenas drama e romance. Me aproximei lentamente, me escondi atrás da estante para a qual ela estava de costa, me preparando para dar um belo susto.

Mas quando eu ia pular atrás dela, ela apareceu atrás de mim e quem tomou um susto foi eu.

Ela ficou rindo da minha cara com gosto e, quando raciocinei o susto, comecei a rir juntamente a ela.

(...)

Eu e Marília estávamos rindo. Agora seu cabelo ruivo não era tão marcante, as sardas em seu rosto eram praticamente invisíveis, substituídas por rugas e marcas de expressão.

Nós ainda somos bons leitores, idosos, mas de alma jovem.

Após aquele dia na biblioteca há mais de quarenta anos atrás, nossa relação apenas florou, cinco meses após aquele encontro na biblioteca, começamos a namorar e um ano depois, nós nos casamos.

Dois anos depois do casamento tivemos um filho, Guilherme. Hoje ele tem uma família pra chamar de sua e eu estou satisfeito com a vida que levamos.

Foram idas e vindas, discussões e reconciliações, amadurecimento e envelhecimento. Esse amor envolveu tanta coisa, tantas fases, acho que nem consigo recordar tudo.

Mesmo com meus setenta e três anos de idade, ainda sinto a oxitocina tomar conta de mim, ainda amo os abraços, os elogios, as longas conversas sobre livros..

Ainda amo a minha doce Marília.

E sei que ela também me ama do mesmo jeito.

AMATEUR CHRONICLESWhere stories live. Discover now