Capítulo 1 - A morte de Madame Alette

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Coréia do Sul, 1937

Ver Madame Alette deitada naquele caixão, completamente imóvel, seca, sem vida, gelou meu coração. Como era possível alguém simplesmente deixar de existir daquela forma? Eu, sendo uma garota de família pobre e humilde, já havia visto pessoas mortas antes, mas nunca alguém tão próximo a mim, com quem eu conversasse todos os dias.

Mantive os olhos arregalados tentando entender o que havia acontecido.

Onde eu morava, antes de ir para a casa da Madame Alette, a lama invadia nossas pequenas casas e inundava o lugar com sujeira vinda do esgoto, nos infectando com todo tipo de doença. As baratas caminhavam ao nosso lado e nos acostumamos tanto com elas que passaram a ser entretenimento que nos ajudavam a dormir.

As crianças eram as mais afetadas por perebas e infecções, e por vezes morriam bem pequenas. Era triste de se ver, mas depois de alguns anos, se tornou algo comum. Acostumar com a morte não é fácil, porém quando ela acontece por diversas vezes, e repentinamente, acabamos endurecendo o coração, na tentativa que ela não nos afete como antes.

Os mais velhos também morriam facilmente. A falta de dinheiro e de higiene não permitia que "ficassem bons" de nada, por isso evitar a doença era o melhor remédio. Eu sempre dava graças a Deus por ser jovem, caso contrário acabaria como os velhinhos e as crianças, empilhados em uma grande "fogueira" que evitava que suas mazelas se espalhassem por nossa vila.

Eu já havia perdido minha mãe, meu pai, e alguns irmãos. E agora... Madame Alette.

Vê-la estirada ali, pálida, como um boneco de cera, era um tanto assustador. Ela havia sido uma pessoa extremamente preocupada com sua aparência. Ela não tinha como saber que terminaria daquela forma horrível, ou melhor, mais horrível do que o habitual.

Como se tratava de uma idosa, ninguém se preocupou em maquiá-la ou esconder suas marcas e defeitos, mesmo ela sendo podre de rica. Na morte isso não faz muita diferença. Mas imagino que é melhor não ser maquiada num caixão de mogno do que ser queimada numa pilha de corpos.

Olhei ao redor. Além de mim haviam alguns poucos empregados que eu sabia que a odiavam, e pessoas que se diziam familiares, mas de quem ela nunca havia recebido nem sequer uma visita.

Pobre Madame Alette! Não é que ela não tivesse ninguém, era mais porque ninguém havia se dado ao trabalho de comparecer ao seu último grande evento. Não precisavam disso para receberem suas heranças.

Derramei mais algumas lágrimas por ela. Tudo aquilo era muito triste, e depois de alguns anos convivendo com ela, eu sentiria muitas saudades.

Na frente da lareira, em sua última noite de vida, ela havia me dito o quanto me amava, e que eu seria a última pessoa em sua mente quando morresse. Engoli seco me lembrando disso. Era lastimável perdê-la de forma tão súbita.

Quando ela me aceitou em sua casa como sua criada de quarto, ela não sabia, mas havia me salvado de uma vida infernal. Meus tios estavam prestes a permitir que um homem distante se deitasse comigo para que embolsassem uma bela quantia. Hoje não os culpo muito. Várias bocas para alimentar e nem um centavo para comprar.

Esse homem a quem eu chamava de "tio" desde pequena, era bem abastado e iria nos passar um valor que nunca haviam visto antes, "apenas" para que permitissem que ele "dormisse" no quarto comigo. Eu disse "não", socando a mesa com força. Com 8 anos, eu já dizia "não" para eles, imagina com 18. Gritei, esmurrei, quebrei copos, me neguei até sentir a última energia do meu corpo se esgotar:

_____ Eu não vou me "deitar" no quarto com você, seu nojento!

Ele apenas sorriu e disse:

____ Dinheiro é uma coisa espantosa, minha cara, corrompe a alma dos mais íntegros... como seus queridos tios! Então imagine se não corromperá o corpo de uma reles criatura como você!

O quarto da Senhora - 10+ do Kindle em LGBT!Where stories live. Discover now