Uma crueldade gentil

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Meu berço era lindo, dos mais belos tons de azul com faíscas amarelo dourado que se tornavam flores ao vento.

E eu sempre amei flores. Amei azul. Do céu azul às flores azuis. O dourado nem se fala. Ainda amo girassois. E admiro cada cor e cada pedaço de mundo que vejo ao redor de mim.

Mas tem uma coisa que não consigo amar.

A minha incompreensão de gentileza.

Minha infância foi cheia dos típicos problemas familiares que alguém possa ter. Mal entendidos, intrigas, brigas e separação. Mas eu não chorei por isso. Embora, sentia que fosse minha culpa.

Eu chorei pela gentileza que meus pais tinham comigo, me tratavam como um pilar que os mantinha de pé.

Mas não sou um pilar. Sou um artista.

Eu não quero ser seu pilar. Quero pintar os pilares e esculpir miniaturas por aí. Quero viver uma aventura por entre a arte e surfar em minhas tintas.

Mas tiraram isso de mim, então, diga-me, de que adiantou?

De que adiantou o berço lindo? O encorajar que recebi em minha infância? Que adianta ser gentil quando tirará tudo de mim?

Que tipo de gentileza cruel foi minha infância?

"Sua arte é linda. Você é um artista", disse-me meu pai quando eu era pequeno. Mas agora que cresci, sou tudo menos isso.

Penso muito que, não quero nadar em seu mar de lágrimas, Alice. Fique aí no seu país de maravilhas.

Deixe-me no país do egoísmo, pois eu quero nadar apenas em meu mar de lágrimas. Ninguém além de mim.

Ele diz-me que não sei quem sou.
Diz-me que não sou da arte.
Diz-me que sou vagabundo.

Eu digo que sou uma egoísta solidão. Mesmo sabendo que me tornei vazio por tentar sustentar você, sendo o pilar de sua vida.

E em meio aquele campo de flores, quando meu corpo caiu nos girassois amarelos, como os de Van Gogh, chorei por toda a crueldade gentil que você havia sido para mim.

E me afoguei no meu mar de lágrimas. Meu poço de tinta azul.

Contos da madrugada Tahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon