Dois

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Tóquio, 01 de maio

          O quarto ainda estava escuro quando Taehyung abriu os olhos. Suspirou de maneira prolongada, encarando o completo negrume que o cercava. E aquela era uma sensação curiosa, ir de um escuro a outro; abrir os olhos mas ficar com a permanente impressão de ainda ter as pálpebras cobrindo-os. Sem enxergar absolutamente nada.

Abria e fechava os olhos e tudo era igual. Vazio e escuro. Como um céu em sua infinitude, solitário e sem estrelas.

Era assim que ele se sentia a maior parte do tempo. E de vez em quando ficava cogitando se também se sentiria assim quando fechasse os olhos pela última vez. Então seria solitário e escuro para sempre?

Tinha curiosidade em descobrir.

Mera curiosidade.

Empurrou o lençol para o lado, esticando os braços para o alto e alongando o corpo sobre o colchão tendo a certeza de que, por mais que ainda estivesse sonolento e cansado, não conseguiria voltar a dormir.

Era possível que ainda fosse começo da madrugada e sabia que podia ter algumas horas de sono até que seu alarme tocasse e lhe incitasse a repetição outra vez. No entanto, a maneira que seu sono funcionava já era conhecida por ele: aguente firme, fique cercado pelas águas, quieto, e não acorde do pesadelo; ou não aguente, se sufoque, afogue, acorde. E então não seja capaz de dormir de novo, inundado de tanta culpa e de lembranças mescladas com cenários meramente projetados.

Seus olhos abertos e tomados pelo escuro eram a prova mais do que clara que aquela foi uma noite em que não aguentou e acordou rodeado pelas águas imaginárias de seu trauma.

Praticamente escutava a voz de seu inconsciente.

Sem mais horas de sono para você, Taehyung.

Era sexta-feira, a terceira noite que não dormia direito naquela semana. Menos do que a semana anterior, contudo.

Noites de sono mal dormidas estavam sendo sua rotina desde o aniversário da morte de Haru há dezesseis dias atrás. Naquele dia, foi tomado por uma intensidade de memórias e sentimentos tão imensa que sentiu como se estivesse outra vez nas primeiras semanas sem ele.

A repetição nunca machucou tanto quanto estava machucando naquelas semanas. E Taehyung ficou encarando o vazio por vários minutos, sentindo o torpor sonolento dar lugar ao seu completo despertamento quanto mais sua mente pensava naquelas coisas. Ergueu a mão e secou o rosto úmido, desejando que, ao menos por um dia, pudesse não pensar demais.

Se desligar de sua própria mente soava bem. Quem dera pudesse. Faria qualquer coisa para isso, se fosse possível.

Taehyung ficou de pé com movimentos lentos, andando devagar até onde sabia que encontraria o interruptor do quarto. Acendeu a luz fraca e amarela e finalmente clareou o local em desordem. Piscou os olhos algumas vezes, acostumando-se, e ficou ali em pé como se estivesse fazendo uma espécie de backup, se preparando para mais uma reciclagem.

O relógio de ponteiros pendurado atrás da porta se movia lentamente e coordenado, executando sua função de mostrar o tempo que passa e que não para. E enquanto pensava no que podia fazer até a hora que tivesse que sair de casa, ainda de pé e em inércia, viu os ponteiros moverem-se de 03:13 a 03:19.

Realmente não para.

Passou as mãos nos cabelos lisos e compridos, sentindo os fios embaraçados. Uma sensação meio dormente ainda apertava seu peito e Taehyung decidiu que sairia do quarto. Mesmo agora no claro ele não conseguia se aliviar dos flashs do pesadelo que o despertou, então precisava sair dali. Ir para qualquer outro lugar. Se afastar daquela cama que parecia a própria balsa que afundou a caminho de Jeju.

Efeito Borboleta | taekookWhere stories live. Discover now