Capítulo 3

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Meus pés afundavam na neve a cada passo, exigindo mais força para caminhar e diminuindo aos poucos minha capacidade de me mover. Escurecia rápido. Eu sentia o arrependimento formigando sob a minha pele como um parasita, cravando aos poucos suas garras em meus pensamentos.

Dúvidas.

Talvez fosse melhor dar a volta... Ou tomar um novo caminho... Olhei para aquele mar branco, enquanto o tempo se arrastava e as vozes se aproximavam. Tic, tac. Tic, tac.

De alguma forma, eles encontraram meu rastro.

Meu instinto gritava que eu tinha passado da Primas One. O que eu não conseguia distinguir era quanto havia me afastado dela.

Primas One era a linha que definia onde começava a magia e onde terminava a proteção natural da Barreira, um domo de energia primal que protegia o mundo humano de coisas exteriores. A linha da Primas One ficava um pouco mais a frente desse domo. Se eu estivesse muito longe do limite, a proteção dela não estaria atuando mais aqui.

Ela não estava.

Essa terra sob meus pés continha magia. Estrelas do fim da tarde não brilhavam tão forte assim. Meus olhos me traíram, e percebi que estava sendo tapeada, o chão lentamente se movendo. A terra estava confundindo meus sentidos, enganando meu senso de direção.

E eu precisava dele em ótimo estado agora.

Até os caçadores mais ágeis, os melhores que navegavam pelas estrelas, jurariam que estavam indo para o lugar certo, e não para as portas da morte em Hell Farrar. O que inegavelmente eu presumia ser o caso, já que a terra estava se movendo. Porque, pela terceira vez, eu errava para que lado ficava o precioso Norte. E a sensação de estar sendo observada por centenas de pequenos pares de olhos imortais não saía das minhas costas, me impelindo a ter pressa e encontrar um abrigo seguro rápido.

Esse lugar não era seguro.

Não que algum lugar fora da barreira fosse.

Eu não era tão boa quanto um Navegador de Estrelas, mas havia sido ensinada por um. Era boa o suficiente para pelo menos despistar os sequestradores que estavam no meu encalço. Eu não me juntaria às vítimas que eram vendidas como escravas para as minas de ferro negro ou para eles.

No caso, os meus perseguidores mais insistentes, que minha Casa enviara atrás de mim, os mercenários...

Para fugir disso, eu me embrenhei em um território que nem as pessoas mais degeneradas ousavam ir, confiando que as estrelas me mostrariam o caminho de volta. Bom, as estrelas tinham acabado de me sacanear. Até os sequestradores tinham o bom senso de usar a única estrada principal rumo a Illumyia de cima.

O território imortal.

Eu nunca tive bom senso dentro de mim. E era por isso que eu estava perdida.

Virei meu ouvido para a direita. Havia um som vindo de algum lugar, uma espécie de canção suave que me puxava. Comecei a correr pela neve, subindo uma ladeira e me embrenhando nos arbustos. Parecia algo como uma melodia fraca, quente, distante. Beijava minha pele e rastejava pelos meus sentidos. Meu peito começou a bater mais forte e agucei os ouvidos. Talvez um rio? Água corrente faz esse barulho? A música me puxava cada vez mais, e eu quebrei uma curva em um barranco na neve, descendo rapidamente a ladeira para despistá-los, rumo a um lugar mais plano.

Eles perderam o meu rastro. Pelo menos por um tempo.

Olhei os arredores, buscando um lugar promissor, mas as árvores à minha volta eram finas e suas folhagens, esparsas. Tudo e qualquer coisa conseguiria me ver lá em cima. Direcionei meu olhar para o resto do sol, tentando me posicionar de novo com ele.

O Festim dos OssosDonde viven las historias. Descúbrelo ahora