Capítulo 6

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Kay

Ignorei o ressoar em meu peito.

Soltei mais um pulso de calor no chão, buscando alívio da agonia crescente do meu poder. A roupa de contenção fazia o trabalho perfeito. Compactava tudo aqui dentro, mas o fogo não desistia. Estalava e entrava nas fissuras dos meus ossos. Ele mesmo criava as rachaduras para se acomodar ali dentro. Era excruciante, como pequeninas agulhas entrando em cada poro da minha pele. Remexi os ombros e estiquei o pescoço. Isso me deixava irritado.

Estava sempre furioso.

Caminhei em direção ao acampamento. Os soldados e carregadores, todos ocupados com suas tarefas antes da batalha, organizavam-se de um lado a outro, esperando o pôr do sol chegar para combater as bestas da noite. Até perceberem minha presença.

Eu era um macho silencioso.

Eu era o comandante da Unidade Principal. Uma força de contenção móvel responsável por limpar a fronteira da Corte de Fogo dos ominuns, e algumas outras... pragas mais persistentes. Mas não gritava com meu acampamento, não dava ordens como um animal a ninguém para ressaltar que tinha autoridade. Não precisava ameaçar para me obedecerem, eles sabiam o que precisavam fazer; se não soubessem, não estariam na minha unidade.

Mas... o som abafado das minhas botas na terra fazia colunas se endireitarem. A forma como a energia da criação controlava os meus olhos, esquadrinhando seus espíritos, fazia gargantas subirem e descerem. Era involuntário, e ainda havia o fogo... não podíamos esquecer do fogo. Minha Runa, embora fosse governada por mim, era uma coisa só comigo, mas tinha vontade própria. A maneira como a pedra controlava o escudo envolta da minha pele, distribuindo ameaças, fazia as pessoas se encolherem.

Meu escudo não gostava de ninguém.

Entrei pelo meio do caminho com várias tendas armadas temporariamente até a tenda de guerra. Alguns me viam e se afastavam; os soldados puxavam para o lado as fêmeas distraídas que estavam no meio do caminho. Os olhos da multidão eram confusos, mas, ao notar minha presença, se curvavam e recuavam, abrindo alas para eu passar.

Um novato carregador humano, desavisado, passou na minha frente, segurando espadas. Ele congelou por um segundo, e seus olhos sem encheram de medo quando me viram. Ele deu um passo para trás.

Não corra.

Abri a boca para avisá-lo, mas não deu tempo. Ele segurou o cabo de uma espada com força, e isso foi o suficiente para a Runa caracterizá-lo como uma ameaça iminente a minha vida. Ele tentou correr. O fogo estalou, o cipó em chamas agarrou seu tornozelo e, antes que eu pudesse contê-lo, o osso se quebrou e o fogo consumiu metade de sua perna direita.

Aleijado para sempre.

Isso era o que acontecia quando pessoas se aproximavam. E, por isso, ninguém queria encostar em mim.

Ele gritava angustiado.

— Porra! — Um soldado feérico estalou, vindo ajudar. — Por que eles sempre correm?

Uma curandeira de vestes brancas se colocou ao lado do garoto humano, enquanto ele se revirava de dor. Meus olhos endureceram, respirei fundo para me acalmar e segui meu caminho até a tenda de guerra.

Afastei as abadas da tenda.

— Comandante.

Um soldado mensageiro me alertou.

Ergui meus olhos para ele, e pela forma que ele milimetricamente recuou, colocando uma distância segura entre nós, eu sabia que a criatura ancestral dentro de mim estava controlando meus olhos. Que eles eram puro fogo, morte e o inferno na terra.

O Festim dos OssosWhere stories live. Discover now