O inferno de Anabel - Final

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A voz vem e vai. Às vezes, ela desaparece completamente por 2 a 5 dias. Não demorei para criar uma teoria: este é o tempo em que um humano demora para morrer de sede, então quando a voz se cala, deve ter alguém lá, abraçado com a Anabel. Já fazem 5 meses que eu consigo resistir. Algumas semanas são fáceis, ela quase não fala comigo. Em outras é o dia inteiro ouvindo a voz na cabeça, a liberação de endorfina seguida da depressão profunda me deixa com vontade de sair correndo em direção ao aeroporto imediatamente.

Acessei o blog onde eu tinha achado a história inicialmente, ela tinha sido apagada. Pesquisei por todo lugar, não a encontrei em lugar nenhum.

Eu tinha a resposta pela morte da minha amiga, mas eu não podia contar para ninguém. Não conseguiria limpar a imagem dela, não poderia dizer que ela não tinha se suicidado.

As vozes voltaram intensamente. Eu não sei como eu ainda consigo aguentar. São 10 dias seguidos com ela falando no meu ouvido. Será que acabaram as pessoas que sabem sobre ela? Eu precisava fazer algo, não podia viver mais desse jeito.

Sentindo-me acuado como um rato cercado por gatos, fiz o que eu precisava fazer. Comecei com alguns "inimigos". Coloquei entre aspas porque, bem, são basicamente pessoas que eu não gosto. Não é como se eu vivesse em um anime ou em um filme de ação. Inventei que a história de Anabel era uma criação minha, então eu pagava e pedia para corrigirem gramaticalmente a minha história, ou oferecia um favor, para as pessoas que ações fossem mais valiosas.

O resultado veio um mês depois. Michael, um garoto rico que estudava comigo, veio dizer que queria ir visitar o local onde a minha história acontecia. Meu plano havia funcionado. A minha antipatia por ele? Bom, ele sempre vinha se vangloriar de quantas garotas ele tinha comido no final de semana. O detalhe? Ele tinha uma noiva.

— Quer ir junto comigo? Pago tua passagem.

Topei, eu precisava ver com os meus próprios olhos, precisava ter o máximo de informações possíveis se eu fosse viver com isso pelo resto da minha vida.

Chegando no hotel, eu colocava um metal na porta sempre que o Michael fosse dormir, de um modo que caísse quando alguém abrisse a porta. Na quarta noite, bingo. Acordei com o metal ecoando no chão. Michael tinha saído caminhar. Chamei pelo nome dele, mas fui ignorado. Então apenas o segui, notando um sorriso pleno povoando o rosto dele, e a voz havia parado de conversar comigo pela primeira vez em semanas. Caminhamos por seis horas, a aurora já havia se revelado quando ele chegou ao destino.

Lá estava ela, a mulher do conto, a mulher do lago, a mulher mutilada. Anabel. A minha imagem mental era de que ela seria uma mulher mais madura, pelo número de filhos, e que seria uma imagem assustadora e grotesca, corpo em decomposição apodrecido por morar no lago. Mas ela exalava jovialidade, o rosto e o cabelo dela eram lindos, angelicais, a pele de porcelana e uma simetria perfeita. A cicatriz no lugar de um dos olhos não diminuía em nada a beleza dela, até dava um charme adicional. Não sei como alguém poderia casar com ela e ainda ficar saindo para guerras. Honra? Qual é a honra de matar outra pessoa "pelo seu país"? Poderia ter tido uma vida plena ao lado da obra de arte que era Anabel.

A diferença era do pescoço para baixo: As facadas transformaram o peito dela em quase nada. O coração, pulmões, intestinos estavam a mostra, era possível enxergar o movimento da respiração e dos batimentos cardíacos, mesmo que não fosse humanamente possível aqueles órgãos esburacados ainda mostrarem tal movimentação de vida. Nas coxas haviam algumas facadas, 3 buracos na direita e 2 na esquerda. Pelo menos era o que os buracos no vestido mostravam, ao contrário da roupa na área do peito que estava destroçada, da cintura para baixo Anabel basicamente parecia normal, com apenas alguns rasgos no vestido que ia um pouco abaixo da linha do joelho.

Lendas de outro universoOù les histoires vivent. Découvrez maintenant