O quadro

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Com o mercado imobiliário arrancando a pele de todos abaixo dos trinta, finalmente encontrei uma casa decente que coubesse no meu orçamento, após anos de procura e pesquisa. Achei que viveria de aluguel para sempre.

Paguei uma boa entrada com o dinheiro economizado desde os meus dezoito. O resto do valor foi parcelado em vinte anos, com pagamentos mensais bem abaixo do preço que eu pagaria por um aluguel, devido ao valor de entrada elevado.

A casa simpática selou o meu último objetivo financeiro de vida. Agora é arrumar uma namorada que combine comigo, casar e ter filhos, fechando a minha vida efêmera com tudo que uma pessoa pode querer.

A casa localizava-se perto do local onde trabalho, uma empresa onde eu cuidava da manutenção dos computadores locais. Não precisar mais pegar ônibus por meia hora para ir e meia para voltar era fantástico.

A primeira semana foi desconfortável, difícil adaptar-se a um lugar novo. Os vizinhos faziam barulho até de madrugada, não muito alto, mas meu cérebro ainda ficava em estado de alerta. Cães latiam pela rua inteira. Já na segunda semana, o meu corpo se acostumou com o barulho ambiente constante, afinal, passei a dormir igual um bebê, sem acordar nenhuma vez no meio da noite.

A casa tinha algumas coisas de seus antigos donos ainda. Na sala, o quadro de uma senhora com roupas vitorianas destacava-se. Como a pintura não combinou com o restante das minhas coisas, retirei a obra de arte e a guardei em um quarto de fundo. O plano era vendê-la depois.

Na manhã seguinte, as bizarrices e o meu pesadelo começaram: O quadro que eu havia guardado no quarto de trás estava pendurado na parede novamente. Será que eu havia sonhado que havia tirado a pintura da parede? Não havia sinal de invasão, e ninguém entraria apenas para redecorar a minha sala.

Retirei o quadro novamente, recolocando-o no quarto desocupado dos fundos.

No dia seguinte, ao acordar, passei pela sala para ir até o banheiro. Um mal-estar dominou toda a minha existência ao perceber que o quadro da senhora vitoriana estava na parede novamente. Alguém realmente estava invadindo a minha casa? Ou eu era um sonâmbulo que redecorava a casa de madrugada? Que diabos estava acontecendo?

Desta vez, escondi o quadro em um armário trancado antes de dormir.

Ao acordar, para o meu pavor, o quadro estava na parede novamente, tendo vencido até uma tranca.

Sentindo-me incapaz ante a situação, deixei o quadro na parede da sala, e chamei o meu melhor amigo, William, para tomar uma cerveja e conversar na minha casa naquela sexta.

Contei sobre a situação estranha: o quadro voltando para a parede da sala enquanto eu dormia. William me aconselhou a colocar câmeras nas entradas da minha casa, frisando o quanto a situação era perigosa, alguém invadindo enquanto eu estava adormecido só pode ser alguém completamente insano. Comigo vulnerável deste modo, o invasor poderia até me matar.

Assustado com a fala do William, naquela noite deixei a câmera do computador no meu quarto ligada, apontada para a minha cama. Deste modo eu saberia se o invasor estava apenas invadindo a casa ou se fazia algo comigo também.

No dia seguinte, a primeira coisa que fiz ao acordar foi ir até o computador verificar a gravação. As imagens iniciaram-se comigo ajustando a câmera e indo deitar, e então rolando um pouco na cama tentando pegar no sono. Aproximadamente meia hora após eu adormecer, pude ouvir pela gravação do som a porta do meu quarto abrindo e passos aproximando-se da câmera. Aproveitando um ponto cego, o invasor foi até a câmera sem ser detectado e a virou para a parede. Em seguida, os passos não foram para fora do quarto; ao invés disso, ouvi a minha cama amassando, como se o invasor tivesse deitado ao meu lado.

Lendas de outro universoWhere stories live. Discover now