𝙳𝚒𝚊 𝚋𝚛𝚊𝚗𝚌𝚘

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Passaram-se 40 dias? Três meses?
 Não tínhamos uma noção clara do tempo, exceto pelos alarmes que indicavam as refeições ou os exercícios em grupo

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Passaram-se 40 dias? Três meses?
Não tínhamos uma noção clara do tempo, exceto pelos alarmes que indicavam as refeições ou os exercícios em grupo. O alojamento completamente branco se tornou uma realidade com a qual nos acostumamos, desde as paredes até os móveis, tudo em um branco reluzente e enjoativo. As câmeras vigiando todos os cantos já não nos incomodavam tanto. Eu havia progredido em minha recuperação, conseguindo andar sem a ajuda da cadeira de rodas ou das muletas, mas ainda precisava de curativos.
Nos reuníamos para o almoço todos os dias, Trix parecia ser a mais adaptada à situação, afirmava sentir-se segura ali. No entanto, ainda ansiava por reencontrar seu pai. Lembro-me de como ela passou duas semanas implorando para usar o telefone, mas sempre recebíamos a mesma desculpa, alegando falta de sinal ou problemas técnicos. Luhan, por outro lado, odiava profundamente tudo naquele lugar, enquanto Domy estava constantemente com Peter. Ele costumava ler para a criança e se entusiasmava quando Peter fazia algum desenho bobo.
Uma vez por semana, nos levavam individualmente a uma sala vazia, onde nos faziam exames de sangue e introduziam cotonetes em nossos narizes, quase tocando o nosso cérebro... Era uma experiência terrível. O médico que realizava esses exames nunca se apresentou pelo nome, mas sempre vestia um jaleco verde. Ele costumava enfatizar que aqueles que chamávamos de zumbis não estavam mortos.
"Os mortos não andam", ele dizia. "Não são zumbis, são apenas pessoas doentes que precisam de ajuda."
Apesar de tudo, o ambiente nos dava uma sensação de renovação, uma esperança de que as coisas poderiam voltar ao normal, como eram antes. Exceto pelas crianças que desapareciam da noite para o dia. O médico da sala de exames uma vez nos disse que, quando conseguiam entrar em contato com os pais das crianças que estavam em abrigos do governo, eles eram enviados com segurança. Queríamos acreditar em tudo o que nos diziam. Queríamos ter esperança. Afinal, ali parecia um refúgio seguro, um lugar melhor do que lá fora. 
Mas nossas ilusões foram brutalmente despedaçadas quando Domy desapareceu. Perguntamos ao médico sobre nosso amigo, e ele afirmou que encontraram os pais de Domy ao norte e o enviaram para lá. Nós sorrimos, fingindo estar felizes por ele, mas sabíamos. Sabíamos que havia algo errado. Seu pai estava morto, e sua mãe provavelmente também havia encontrado um destino semelhante. Mas Domy não teria ido embora sem se despedir, sem levar consigo o pequeno Peter.
O alarme soou para indicar o horário do almoço, e todos nós pegamos nossas bandejas e nos sentamos juntos. Eu me acomodei ao lado de Luhan, e ambos olhamos para Trix e Peter, que estavam à nossa frente.
— Algo não está certo — Trix sussurrou, brincando com o garfo no prato, evitando olhar para nós. — Domy não partiria assim. Mesmo se sua mãe estiver viva, ele jamais deixaria o Peter para trás.
Olhei para a criança, que usava um macacão branco e bebia suco, aparentemente alheia a toda a situação. Seus grandes olhos azuis me encararam e um sorriso se formou em seu rosto quando lhe ofereci minha batata.
— Você está certo, mas duvido que responderão às nossas perguntas ou nos permitirão sair daqui! — afirmei.
— Temos que tentar! — Luhan disse. — Sinceramente... — Ele baixou o tom de voz, olhando cautelosamente para um guarda de uniforme verde que passava por ali. — Devíamos planejar uma fuga. Vamos até a sala de despacho, talvez consigamos sair por lá.
— Voltar lá para fora, com aqueles monstros? — disse, hesitante.
— Você prefere ficar aqui e ser o próximo a desaparecer, Vini? — Luhan questionou.
— Droga, você está certo. Eu sei que precisamos fazer isso, mas mesmo assim... Como vamos passar pelas câmeras em todos os lugares?
— Na hora do banho. Os chuveiros são os únicos lugares sem câmeras, e as cabines são privativas. Eu sempre levo o Peter comigo.
— Mas no banheiro masculino, só tem uma maldita parede baixa nos separando, e os seguranças ficam de olho em nós.
— Vamos encontrar uma solução. — Olhei para Trix. — Procure por um duto de ventilação e entre na cabine por baixo dele, acho que é por ali... — Olhei para cima e para os lados. — Você deve seguir para a direita e procurar a sala de despacho. Nós nos encontraremos lá.
— Certo, por favor, prometam que não vão me deixar para trás!
— Nunca faríamos isso!
Algumas horas depois, estávamos de volta aos nossos quartos. Passei esse tempo pensando em como nos livrar dos guardas, e meu plano era um tanto humilhante, mas poderia funcionar. Quando o alarme tocou, fiquei preocupado por não ver Luhan de imediato, mas logo o avistei virando o corredor, acompanhado por outros meninos e um guarda carrancudo. Ao me ver, Luhan apressou o passo para ficar ao meu lado.
Dentro do vestiário, os meninos começaram a se despir sem cerimônia. Luhan me lançou um olhar e fiz um sinal para que ele me seguisse.
— Com licença... — comecei, interrompendo o guarda.
— Vá se banhar! — respondeu ele sem me encarar.
— Preciso usar o banheiro! — falei, colocando uma mão sobre o estômago. Luhan me olhou, finalmente percebendo o que eu estava planejando. O único lugar onde poderíamos ficar sem a vigilância dos guardas era dentro das cabines do sanitário. O asiático começou a se mexer ansiosamente, como se estivesse com pressa ou impaciente.
— Não temos o dia todo. — disse o guarda, com uma expressão séria.
— Tirem a roupa e vão tomar banho. — completou outro guarda, apontando uma espingarda. — Vocês podem se aliviar no chuveiro ou no quarto quando voltarem, mas não façam a gente perder tempo.
Luhan gemeu e apertou os olhos, chamando a atenção do guarda armado. Ele me lançou um olhar de pedido de socorro, e eu fiz uma careta, olhando novamente para o guarda.
— Por favor, não dá para esperar. — parei, puxando o ar e fazendo uma careta. — A comida nos fez mal, é urgente.
O guarda nos analisou de cima a baixo. Luhan tentava parecer submisso, com medo de ser pego, o que só ajudava na encenação. O guarda ficou visivelmente aborrecido, como se nós dois tivéssemos estragado o dia dele, o que, na verdade, seria verdade se ele soubesse o que realmente estávamos planejando.
— Vocês têm três minutos!
— Sério? Acha que isso se resolve em três minutos? — perguntei entre dentes, agora com ambas as mãos sobre o estômago.
— Dez minutos. Agora, apressem-se. Não quero que sujem tudo aqui.
Ele abriu a porta, nos permitindo entrar no corredor que levava aos banheiros privativos. Ele não nos seguiu, pois sabia que, para sairmos de lá, precisaríamos voltar pelo corredor e passar por ele.
Entramos no banheiro, abrimos a porta das cabines para nos certificarmos de que estávamos sozinhos e subimos na pias. De lá, entramos no duto de ar. Luhan comentou algo sobre odiar espaços pequenos e odiar estar engatinhando atrás de mim.
Encontramos Beatriz assim que descemos, e ela nos contou que já estava ali há alguns minutos.
A sala era fria e escura. Já tínhamos ido lá algumas vezes para fazer tarefas. Era o local onde eles colocavam coisas que seriam descartadas ou retiradas para sei lá onde. Não havia câmeras ou vigias ali, era perfeito.
Andamos devagar, um atrás do outro, de mãos dadas, até que nossos olhos se acostumassem com a escuridão. Entramos na próxima sala, ainda com as luzes apagadas. Olhamos para cima e percebemos que não havia câmeras, mas uma silhueta nos chamou a atenção.
Havia um corpo desnudo sobre uma maca. Me aproximei lentamente e meus olhos se arregalaram.
— Domy! — a criança exclamou. Luhan, que a carregava, rapidamente tapou sua boca.
Tirei meu casaco e joguei sobre o corpo de Domy para cobri-lo. Suas mãos e pernas estavam amarradas à maca. O medo de que ele estivesse morto ou se transformando nos paralisou. Ficamos parados por alguns segundos, sem saber o que fazer. Beatriz segurou meu braço, suas mãos estavam geladas. Domy começou a se mexer e ela se encolheu mais contra mim. Ele abriu os olhos lentamente, levou um segundo para entrar em pânico, implorando para não matá-lo. Sua voz trouxe o ar de volta aos nossos pulmões.
— Calma, Domy, calma! — eu disse, segurando seu rosto. Seus olhos encontraram os meus e ele arfou. — Precisamos sair daqui em silêncio. — Ele concordou sem dizer uma palavra. Soltei seu rosto e ele segurou o casaco sobre a cintura, corando um pouco.
— Como vou... — Ele olhou para baixo e parecia que seu rosto estava ficando cada vez mais vermelho.
Trix olhou para Domy de cima a baixo e depois olhou para a própria calça.
— Virem-se todos! — Ela nos repreendeu. Olhamos assustados e ela revirou os olhos. — Nossos moletons são bem folgados. Agora, se virem, ou querem que ele saia pelado! Luhan, me dê o seu casaco.
Obedecemos, ainda confusos. Domy tentou se virar e se cobrir ao mesmo tempo.
— Pronto. — Trix anunciou, usando o casaco de Luhan como vestido, que ia quase até seus joelhos. — Vejam se serve!
Dessa vez, foi ela quem se virou e tampou os olhos, permitindo que Domy vestisse a calça, que, por sorte, serviu, embora ficasse um pouco curta nas pernas. Ele vestiu meu casaco e então começamos a procurar uma saída.
Encontramos uma janela estreita, e era a nossa única opção. Quebrei a janela e coloquei um pano nela.
— Se olharem para minha calcinha, mato vocês. — Trix advertiu antes de subir no pé-pé que eu fazia, mantendo meus olhos fixos no chão.
Ela passou com facilidade, seguida por Luhan, Peter e Domy. Luhan me puxou para cima e corremos, atravessando o gramado. O alarme começou a soar e luzes vermelhas se acenderam uma após a outra. Luhan pulou o muro, e eu me abaixei, encostando as costas no cimento para servir de apoio para todos. Eles se apoiavam em mim enquanto Luhan sentado no muro os puxava. Ficamos escondidos nas sombras, torcendo para que as luzes vermelhas não nos revelassem. Corri e pulei, mas não alcancei a mão de Luhan na primeira tentativa. Ele disse que estava tudo bem e me mandou tentar novamente. A luz vermelha estava se movendo pelo gramado, meu coração batia forte no peito. Respirei fundo e corri, pulando novamente. Luhan segurou minha mão e me puxou com força, e caímos do outro lado com um baque.
Fiquei preocupado quando Luhan gritou, mas ele logo assegurou que estava bem. Um guarda nos viu e gritou algo, então corremos com ele nos perseguindo. Por sorte, era apenas ele. Entramos na mata, desviando das árvores com os galhos batendo em meu rosto.
Era difícil enxergar naquela escuridão. Um estouro alto nos fez abaixar automaticamente, parando de correr.
Domy gritou e caiu com Peter em seus braços.
Meus ouvidos apitavam e eu tentava encontrar Domy. Agora, Trix também gritava e chorava. Então, finalmente os vi, um pouco mais à esquerda. Meus olhos lacrimejaram. O pequeno Peter estava aninhado no colo de Domy, com sangue escorrendo da boca, enquanto ele tentava desesperadamente parar o sangramento no pescoço da criança.
— Merda! O que você fez! — Luhan gritou para o soldado de verde que nos observava parado, ele levantou novamente a arma, um pouco incerto.
Luhan já estava correndo em sua direção e eu fiz o mesmo, sem pensar. Ele se jogou contra o homem, que atirou errando por centímetros. Os dois rolavam na terra úmida, trocando socos e chutes. Abaixei procurando a arma que ele havia soltado, e minhas mãos encostaram no aço. Gritei para Luhan se afastar, e ele o fez. Puxei o gatilho sem hesitar, o primeiro tiro acertou o chão, o segundo acertou o ombro do homem, o terceiro acertou seu peito. Ele parou de se mexer.
Luhan destampou os ouvidos e olhou para Domy. Peter estava morto. Não havia como ele sobreviver a isso, e de repente, seu corpo pareceu menor nos braços ensanguentados de Domy. Trix ainda estava ajoelhada no chão, pôs os braços em volta de Domy, que deixou a cabeça cair no ombro dela sem soltar Peter, e começou a soluçar incontrolavelmente.
— Temos que ir! — Falei, preocupado não só com medo de mais soldados chegarem, mas também porque os tiros deviam ter atraído zumbis para o local, e se não nos apressássemos, logo estaríamos em sérios problemas.
— Domy, querido, precisamos ir. — Trix segurou o rosto de Domy. — Eu sinto muito, mesmo. — Ela falava com lágrimas escorrendo de seus próprios olhos. — Mas precisamos ir!




Esᴄᴏʟʜᴀ.

1. Sᴏʀᴛᴇ. Hᴀᴘᴘʏ.
2. Aᴢᴀʀ. Sᴀᴅ.

𝚂𝚝𝚊𝚢 𝙰𝚕𝚒𝚟𝚎Where stories live. Discover now