Capítulo II: Pérolas sob as Estrelas

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Alyter

     O jovem syrenio vagueava pelo mar aberto sem um rumo certo, procurando pôr ordem nos pensamentos que se comportavam como as ondas de um mar revolto em sua mente. Alyter tinha noção dos esforços do irmão em conjunto com os demais atallons Ylla-ma para retomar a ilha de Malů enquanto um recanto syrenio e expulsar qualquer ameaça humana. Um propósito nobre, de fato, mas inútil, pensava Alyter. Os humanos exerciam soberania sobre o mundo de ar e era só questão de tempo até que tudo se repetisse. Alyter temia por seus irmãos, por seu povo e por si mesmo, temia a exposição que implicava estar na superfície.

     Enquanto flutuava entre o vazio da imensidão azul, o jovem syrenio enxergou ao longe um pequeno ponto branco que se acentuava entre as cores vibrantes dos corais. Alyter reconheceria aquela imagem perolada em qualquer um dos sete mares, era Ylilu, sua melhor amiga. A jovem syrenia encontrava-se sentada sobre uma rocha elevada em meio aos recifes, olhava para cima, contemplando a altiva divisa translúcida e luzente entre a água e o ar da superfície, "céu do mar", assim era chamado, e apesar de Alyter já não saber ao certo o que era um "céu", gostava da palavra. Ylilo era um ser de beleza sem-par, especial e inigualável. Sua pele era branca como espuma do mar e seus cabelos tão brancos quanto, seus olhos, os mais únicos que Alyter já vira, eram violetas e suas escamas, da cor das pérolas, eram delicadas e finas. Ylilu era uma syrenia albina, única naquelas águas. Seus cabelos, antes volumosos e macios, naquele momento estavam traçados e flutuavam sobre seu corpo como pequenas e esguias serpentes do mar.

     Alyter, ao se aproximar de Ylilu, percebeu que a amiga estava absorta em pensamentos, mergulhada num silêncio contemplativo que só era interrompido pelas suaves ondulações do mar. Ele se aproximou com cautela, tentando não perturbar a serenidade de Ylilu. Quando finalmente alcançou a rocha onde ela estava, Alyter notou que os olhos violetas de sua amiga estavam fixos no horizonte acima das águas, fazendo-o olhar na mesma direção.

     — Então é aqui que você se esconde? — Perguntou Alyter, quebrando o silêncio.

     A syrenia virou-se para ele. Seus olhos violetas e melancólicos carregavam um brilho diferente, algo novo.

     — Sim, é aqui que eu me escondo da minha vida sufocante. — Brincou Ylilu — mas o que te traz aqui? Você não costuma fazer tipo que se esconde.
     — Eu tô mais fugindo que me escondendo. — Confessou Alyter.
     — Não é a mesma coisa?

     O syrenio a encarou com um olhar azedo e ranzinza.

     — Okay, eu entendi. Me conta tudo.

     Alyter suspirou profundamente antes de começar a desabafar com Ylilu. Ele a contou sobre a cerimônia planejada em Malů, a ilha que considerava abominável, e como a ideia de ter que voltar à superfície o atormentava. Explicou como a memória daquele lugar e a perda de seus pais o assombravam e como essas lembranças criavam uma barreira densa entre ele e o mundo acima das águas.

     Ylilu o escutou em silêncio, seus olhos expressavam doçura e compreensão mediante a cada palavra proferida por Alyter. A serenidade da rocha elevada ajudara Alyter a se abrir, sentia-se seguro, contemplado pelo sagrado Oceano e por sua amiga.

     — Malů… eu entendo o que você sente, Aly. A dor da perda, o medo de tudo se repetir. Aquilo deixou cicatrizes profundas em você, amigo. — Disse Ylilu com delicadeza.

     Alyter, apesar de sua natureza reservada, sentia-se à vontade para compartilhar suas vulnerabilidades com Ylilu. A conheceu dias depois do massacre que levou seus pais, um momento de sua vida onde o jovem ser do mar se fechara para qualquer, se isolando de tudo e de todos, mas com Ylilu fora diferente, quase como se se conhecessem de outras vidas. Após soltar todas as angústias que queimavam-lhe o peito, Alyter encostou a cabeça no ombro da amiga e ambos passaram a observar o céu do mar ao longe, o movimento constante da água e a luz que a atravessava.

A Dança das MarésOnde histórias criam vida. Descubra agora