Capítulo VIII: Desencontros: Parte II

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Alyter

     Um estrondo forte cortou os ares, ecoando como o prenúncio sombrio de uma grande catástrofe. Por breves segundos, as águas da enseada caíram numa falsa e excruciante calmaria, posteriormente afundando-se no caos em sua mais pura forma. Syrenios comuns rasgavam rapidamente o véu d'água em busca de fuga, enquanto os atallons entravam em formação para proteger a enseada contra qualquer que fosse o mau. O medo pairou soberano no ar, mais um estrondo foi ouvido, e então Alyter teve a visão tenebrosa da ameaça que se aproximava com avidez.

     — Cyreus... — Disse Alyter temeroso.
     — Fique atrás de mim, Alyter. Não se separe de Alyta.
     — Alyta...?

Horas antes...

     — Ele também tinha cabelos negros, um nariz reto, sobrancelhas cheias e... lábios bem desenhados. — Disse Alyter.
     — Para um humano, esse me parece bem bonito. Eu pensava que eles tinham três olhos e uma boca faminta cheia de dentes afiados. — Brincou Ily.
     — Pare de brincar com isso, é uma coisa séria. — Disse Alyter entre leves risadas.
     — E o Krago, me conte mais sobre ele, é tão horrível quanto dizem?
     — Pior. Acho que foi a criatura mais horripilante que já vi. Se não fosse aquele humano eu acho que... enfim. 
 

  — Isso parece ter sido horrível e incrível ao mesmo tempo.
     — É, algo assim, eu acho.

     Alyter se encostou no ombro da amiga. Seu olhar carregava certa tristeza e aflição. Não haviam encontrado qualquer rastro humano na ilha e até mesmo o corpo da besta anfíbia que atacara o syrenio havia sumido, não haviam motivos para não realizar a cerimônia na enseada e aquilo preocupava Alyter.

      — Não encontraram nada? Minha tia me disse que os atallons até exploraram por dentro da ilha... — Disse Ylilu.
     — Não, nada. Não encontraram nem o corpo do Krago e agora devem achar que eu estou louco. — Lamentou Alyter.
     — Eles não acham que você é louco.
     — Mentiroso talvez? Confesso que não sei o que é pior.
     — Nem louco, nem mentiroso. Eu acredito em você.
     — Eu queria que o Cyreus acreditasse em mim também. Mas como ele vai acreditar em mim se até o corpo daquele demônio maldito sumiu? — Esbravejou Alyter.

     Ylilu abraçou os ombros do amigo no intento de confortá-lo. Os jovens syrenios encontravam-se sentados sobre os corais macios dos recifes, cercados pelas cores vibrantes da natureza oceânica. Mais uma vez, os antigos amigos observavam o céu do mar em silêncio, contemplando o deslumbre do que parecia inalcançável e ordinário ao mesmo tempo.

     — Você não vai perder a cerimônia, vai? — Questionou Ylilu.
     — Não sei... — Disse Alyter absorto.
 

    — Alyter! — Protestou Ylilu.
     — O que foi?
     — Aly, me escute bem: se existem humanos e kragos em Malů, todos podem estar correndo perigo hoje.
     — Eu sei! Mas o que eu posso fazer? O Cyreus está determinado e eu, bem... eu sou uma alga seca perto dos atallons, não é?

     A syrenia albina desferiu um tapa contra na nuca do amigo em resposta.

     — Aí! Isso doeu!
    
     Ylilu segurou a mão do amigo com delicadeza e olhou-o no fundo de suas íris azuis.

     — Aly, se houver mesmo alguma ameaça lá em cima, toda a ajuda será necessária, a sua então, nem se fala. Além do mais, você pode estar enganado e tudo pode ocorrer bem hoje. Então largue a sua covardia e vá lá pra cima!

A Dança das MarésWhere stories live. Discover now