CAPÍTULO 02

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   Mamon era definitivamente um dos mais soberbos demônios que existiam na terceira dimensão, presa logo abaixo do mundo humano. Ele já teve centenas de filhos durante os últimos milênios, nos breves momentos em que visitou a terra, e apesar de não admitir em voz alta, tinha um grande apresso em particular pelo bruxo de joelhos do outro lado do círculo de fogo, tanto apresso que se permitia brincar um pouco e estar disposto a deixar seu reino infernal para ouvir o que o pequeno tinha a dizer. Amon o procurava quase todos os meses, geralmente na lua nova, quando a lua não tinha qualquer brilho, o que facilitava a invocação.

    A forma mais fácil de conceber bruxos era através da Junção de um demônio e um humano (sejam demônios poderosos ou os últimos da hierarquia infernal, apesar do poder da prole ser igualmente relacionado ao poder do demônio progenitor), mas descentes diretos de demônios eram incrivelmente raros, e justamente por isso a maioria dos bruxos existentes eram filhos de outros bruxos. A magia vai diminuindo gradativamente à medida que as gerações se afastam da primeira descendência desde o cruzamento entre um demônio e um humano, de modo com que à partir da sexta ou sétima geração, com o sangue sobrenatural diluído várias vezes com o sangue humano, o bruxo tenha tão pouca magia que não consiga fazer sequer feitiços medianos. Bruxos com pouca magia poderiam viver uma vida inteira sem sequer saberem da sua natureza, o que definitivamente não era o caso de Amon, que como descendente direto de um dos mais poderosos príncipes da terceira dimensão, tinha magia para executar qualquer feitiço que quisesse.

    O problema em questão é que apesar de Amon ter uma estrutura sobrenatural absurdamente poderosa, o combustível para essa estrutura (a moeda de troca com a deusa de três rostos) continuava sendo algo puramente impossível de se acumular ou conseguir através da sua descendência.

     — Então. Diga-me o que precisa, Amon. — O demônio prosseguiu, cruzando os braços sobre o peito nu e pálido, fazendo o bruxo erguer o olhar e tentar procurar cuidadosamente as palavras certas. Na forma humana, Mamon tinha quase dois metros de altura, uma pele ainda mais pálida que a do filho e cabelos brancos longos, que estavam cuidadosamente trancados e presos na parte de trás da cabeça. A beleza sobrenatural do seu rosto era algo que um humano jamais conseguiria alcançar. As maçãs do rosto eram extremante angulosas, lábios rosados, uma barba extremamente bem cuidada e sobrancelhas arqueadas.

    "Os demônios não são seres que envelhecem" Pensou Amon ao analisar calmamente o rosto do homem, que aparentava ter tanto vinte e cinco anos, quanto também poderia ter uns quarenta, apesar de Amon saber muito bem que deveria contar a idade dele em milênios, e não em décadas. Tudo naquele homem um paradoxo. Ele aparentava ser velho e novo ao mesmo tempo, o pequeno sorriso no canto dos lábios parecia ser divertido e cruel ao mesmo tempo.

    — E-eu... — começou o rapaz, mas foi rapidamente interrompido.

    — Sabe que seria bem mais fácil me chamar da forma mais convencional, Amon. Não precisa vir até esse lugar — O demônio gesticulou com as mãos, indicando para o cruzamento das linhas de ley — E passar um bom tempo entoando feitiços extremamente ultrapassados para chamar a atenção do seu papai.

    — Prefiro assim. — O bruxo respondeu, colocando-se de pé com um movimento rápido e calculado, não vendo mais motivos para ficar de joelhos. Amon sabia muito bem que a forma mais fácil de invocar o demônio com que tem ascendência seria simplesmente cortar a palma da mão e chamá-lo através do sangue que compartilham, mas esse método é extremamente volátil, já que você estaria lidando com um demônio sem um pentagrama para mantê-lo preso do lado de dentro. E como Mamon sempre deixou bastante claro o desejo de levar o filho para a sua dimensão e torna-lo um príncipe infernal, há muitos motivos para Amon querer não ficar sem a proteção do símbolo mágico aos seus pés.

A SOMBRA DO CORVO (COMPLETO)Where stories live. Discover now