CAPÍTULO 04

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   "[...] Outro segredo do universo: às vezes a dor era como uma tempestade que vinha do nada. O verão mais claro pode terminar em uma tempestade. Eu poderia terminar com raios e trovões."

      Leio essa frase de Aristóteles e Dante descobrem os segredos do universo diversas vezes seguidas. O meu velho livro está todo marcado com post-its e marcador de texto azul. Esse com certeza é um dos meus livros favoritos.

      Para não descarregar meus fones na primeira noite, resolvi colocar minha playlist no aleatório e o som do celular baixinho mesmo. Agora os acordes de living legend ecoam pela minha barraca enquanto leio.

     "[...] Um dos segredos do universo era que nossos instintos eram às vezes mais fortes que nossas mentes."

      O clima aqui dentro está super aconchegante, mas não posso ficar lendo por muito mais tempo, já que estou usando a lanterna do celular para conseguir enxergar as palavras. Por fim, resolvo dá apenas uma lida rápida nas principais frases apenas para relembrar, e amanhã continuar.

     "[...]Às vezes, tudo o que você precisa fazer é dizer a verdade. Eles não vão acreditar em você. Depois disso, eles o deixarão em paz."

     O som de risadas do lado de fora chama minha atenção. Considero ficar aqui dentro, sozinho com meus pensamentos e minhas músicas melancólicas até pegar no sono, mas o tédio pode ser insuportável, então resolvo vestir um moletom surrado e quentinho, antes de calçar um par de sapatênis e sair da barraca.

      Um vento gélido me cumprimenta assim que coloco os pés fora do meu abrigo, mas o moleton quente barra 70% dele, embora minhas pernas não tenham tanta sorte, pois estou usando apenas um calção fino.

       As luzes improvisadas iluminam perfeitamente todo o acampamento, e uma fração da luz amarelada reflete na superfície do lago, criando um efeito maneiro.

       Uma fogueira enorme foi acendida no centro da clareia, e alguns bancos de madeira (que não faço ideia de onde saíram) foram colocados ao redor dela, onde os meus colegas estão sentados, conversando alegremente e assando marshmallows espetados na ponta de gravetos.

      Eu vou até lá meio sem jeito e encontro um lugar perto de Victor, que passa um espeto com marshmallows assados para mim Assim que me avista.

      — Obrigado. — murmuro para ele, recebendo um pequeno sorriso em resposta.

      — Bom gente. Quem vai contar a primeira história? — Nick pergunta, ele é um cara alto e bonito, cujo a pele é de um tom lindo de marrom.

      — Eu começo! Essa aqui vai ser clássica. — Victor diz, então todos os outros garotos ficam em silêncio, movendo toda a atenção para o garoto ao meu lado, que abre um pequeno sorriso diabólico e limpa a garganta.

      Não tenho nada contra histórias assustadoras, mas admito que sou um pouco medroso.

      — numa cidadezinha pouco conhecida dos Estados Unidos, vivia uma garota da qual ninguém se tem mais notícia atualmente. — Victor começa, agora completamente sério e fazendo questão de encarar cada um de nós no fundo dos olhos enquanto fala. — ela era uma garota muito calada, mas conquistava todos com sua timidez e gentileza. A garota era filha única, morava com os pais, e passava a maior parte da tarde sozinha em casa, na companhia de seu cãozinho, um Sheepdog de 3 anos, a quem amava e era extremamente apegada. — os pelos da minha nuca já começam a ficar eriçados, mas estou completamente envolto na história, já imaginando cada detalhe, enquanto o único som que ecoa pela praia é do crepitar da fogueira.

       —... O cachorro dormia em seu quarto todos os dias, e tinha o costume de dormir embaixo da cama e de acorda-la todos os dias de manhã, lambendo seu braço. O carinho do cachorro lhe fazia bem, e acaricia-la fazia bem ao cachorro.

       "Certo dia, no começo das férias de verão, a garota e seus pais foram viajar para o interior do estado, a convite de amigos da família, que também cederam a casa para que a família de Isabela se hospedasse. Isabela não abriu mão de levar seu cachorrinho. As pessoas dessa Cidade pareciam calmas e sem pressa, o trânsito era tranquilo, e exatamente o que os pais de Isabela buscavam para descansar da rotina de trabalho."

      "Eles chegaram na cidade no final da tarde. A casa tinha um jardim pequeno, mas um bom espaço interno. Isabela ficou com uma suíte bem grande só para ela, onde também ficaria seu cachorro. No primeiro dia na casa, Isabela se deparou com uma janela que não podia fechar. Por mais que tentasse, a janela de seu quarto superava o trinco e voltava a abrir. Ela fez um lembrete mental para pedir ajuda ao seu pai, porém foi distraída pelo convite de um jantar. Seus pais e os amigos tinham decidido ir a um restaurante muito renomado na cidade, e voltaram bem tarde para a casa, indo dormir logo depois disso."

      Algumas pessoas do outro lado da fogueira soltam risadinhas e sons assustadores, mas são rapidamente silenciadas pelas pessoas sentadas perto delas, então voltamos novamente nossa atenção para Victor.

      —... A garota acordou no meio da noite ouvindo uma goteira vinda do banheiro. Estava tão cansada que não se importou em ir resolver o problema do barulho. Ela Colocou a mão embaixo da cama, como tinha costume, para que o cachorro respondesse lhe acariciando com uma lambida. Ela sentiu a lambida e voltou a dormir.

      "Alguns minutos depois, acordou e a goteira ainda podia ser ouvida. Tinha acabado de ter um sonho estranho, estava assustada, e para não se sentir sozinha, colocou novamente a mão embaixo da cama para sentir a lambida de seu cão. Ele correspondeu. Mas a goteira não a deixava em paz."

      "Depois de algum tempo, ela finalmente tomou coragem e levantou-se, determinada a fazer o barulho parar. Sem acender a luz do quarto, foi até o banheiro, guiada apenas pela fraca luz da lua que entrava pela janela. Chegou no banheiro, acendeu a luz e viu a cena mais terrível de toda a sua vida: seu cachorro estava pendurado com uma corda fina amarrada ao pescoço e presa ao chuveiro. Morto.

     "De seus ferimentos, não parava de sair filetes de sangue, escorridos pelas patas traseiras até pingarem e ecoarem pelo ralo.

      Já quase sem sentidos, Isabela mirou o espelho, onde não pôde deixar de chamar atenção o sangue espirrado. E, escrito no sangue, a mensagem: "Humanos também lambem".

      Um silêncio desconfortável recai sobre nós assim que Victor termina de contar a história. Os pelinhos do meu braço estão arrepiados, e embora eu fale para mim mesmo que não passa de ficção, o filme que eu criei na minha cabeça estava tão realístico que me faz tremer na base.

      — Bom, isso foi... Perturbador. — murmuro, enquanto algumas pessoas sentadas ao meu lado confirmam com a cabeça.

      — Verdade! E quem vai ser o próximo?? — Liza diz, procurando o próximo voluntário que irar contar a sua história de terror. Eu esfrego minhas mãos uma na outra para tentar me livrar dos calafrios e começo a mordiscar os marshmallows para me entreter.

      Outro garoto começa a contar a sua história, mas dessa vez eu não fico muito atento a ela, porque essa parece ser bem mais horripilante que a de Victor.

     Nós ficamos ao redor da fogueira assando marshmallows e contando histórias de terror até umas onze horas da noite, até o diretor dá o veredito de que já está mais do que na hora de irmos dormir.

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     Já de volta para a minha barraca, enfio os pensamentos sobre as histórias assustadoras no fundo da minha mente, enquanto retiro a roupa e deito vestindo apenas uma cueca Boxer.

     Os meus cobertores são bem quentinhos, e o colchonete é tão confortável como eu pensei que seria. Eu Deixei alguns centímetros da parte de cima do zíper da entrada aberta para que uma brisa fresca entre e eu não morra sufocado.

       Fecho os olhos e respiro fundo, ajeitando a bolsa que estou usando como travesseiro. Essa viagem está sendo melhor do que eu pensei que seria, e olha que ainda é o primeiro dia.


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O BEIJO DO OCEANO (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora