CAPÍTULO 19

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   Depois de tomar banho e lavar o meu cabelo novamente para me livrar dos grãos de areia, passo algum tempo dentro da minha barraca, descansando e refletindo um pouco sobre os acontecimentos de hoje.

      Estou um pouco apreensivo sobre ir para o mar conhecer o povo de Wyatt. E se der muita merda? E se eles descobrirem que eu sou humano? E se fizerem alguma coisa?

      São tantas perguntas que meus neurônios devem está tão sobrecarregados que provavelmente vão entrar em combustão espontânea caso eu pense um pouco mais nisso. Será que eu não deveria ter aceitado ir?? Mas Wyatt ficou tão animado quando eu disse 'sim'...

      Soltando um suspiro, eu pego o meu celular e ligo-o para ver que horas são. Já passam das 9:00 da noite, e como sempre, perdi a noção do tempo.

      A bateria do meu celular já está em 52%, me fazendo soltar um grunhido de desgosto. Ele não é à prova d'água, então eu sequer posso ir até a ilha e tirar algumas fotos de Wyatt antes que a bateria morra totalmente. É estranho querer uma foto, para provar para mim mesmo que isso tudo é real?

      Não estou com nenhuma vontade de ler hoje, embora esteja me sentindo muito bem, desperto e tranquilo, sem qualquer uma das sensações horríveis da noite passada.

     Sem ter o que fazer, procuro a câmera do celular e tiro uma foto minha, enquanto "softcore" do the neighborhood ecoa dentro da minha barraca. O flash me deixa um pouquinho desnorteado, mas essa sensação passa rapidamente.

       Vou até a galeria e analiso um pouco a foto acabei de tirar. Os meus olhos estão levemente franzidos por causa da claridade, e o azul é tão claro que faz boa parte da luz refletir e fazer minhas pupilas ficarem meio avermelhadas. O meu cabelo preto está assanhado, como sempre, principalmente agora que estou deitado. Meu rosto é inteiramente sardento, com as manchas levemente mais escuras na ponte do meu nariz e na parte de cima das minhas bochechas. Os meus cílios são bem longos, mas os meus lábios são um pouco finos demais.

      Procuro não encarar demais para não encontrar mais defeitos ainda, então desligo o celular e o ligo rapidamente, para que a tela de bloqueio apareça e eu consiga trocar as músicas e escolher uma melhorzinha. É engraçado como quando você coloca no aleatório as primeiras sempre são as piores.

       Por fim, ouço os acordes suaves que precedem "Sad girl", então desligo o celular e fecho os olhos, enquanto a melodia suave ecoa ao meu redor. Pela sonoridade e calmaria presente na voz da Lana, parece que ela é uma hippie e está sempre meio chapada, mas é impossível negar que ela é maravilhosa.

       Escuto mais algumas músicas no aleatório, com preguiça de ficar mudando, antes de por fim resolver desligar o celular e vestir algumas roupas confortáveis. Pego uma camisa de linho macia e quentinha, vestindo um moleton com capuz por cima logo depois. A calça de pijama xadrez deve quebrar o galho, então não a troco, antes de pegar os meus chinelos e engatinhar para fora da barraca.

       A noite está fria como sempre, mas a roupa quentinha me impede de sentir qualquer frio. Uma brisa gélida bagunça o meu cabelo mais ainda, mas eu não me incomodo o suficiente com isso para cobrir a cabeça com o capuz.

       Tomo cuidado para não tropeçar nos pequenos montinhos de areia enquanto caminho em direção ao centro do acampamento, porque aqui é um pouco mais escuro.

        Eu passo por algumas barracas praticamente correndo, tentando ignorar os grunhidos e gemidos baixinhos que vem lá de dentro. Quando o som das risadas e conversas das pessoas que estão ao redor da fogueira são alto o suficiente para cobrir os sons estranhos vindo lá de trás, solto um suspiro de alívio.

     Os bancos estão dispostos ao redor da fogueira, formando meio que um triângulo desajeitado. Todos estão conversando, contando histórias e assando marshmallows como da outra vez.

      Eu procuro Victor minuciosamente com o meu olhar, encontrando-o em um dos cantos de um banco, um pouco mais afastado dos outros, enquanto assa os seus marshmallows em silêncio. Não há ninguém sentado ao seu lado, enfio as mãos dentro dos bolsos do moletom e caminho até lá.

      Passo por cima do banco e sento ao  seu lado, bem mais próximo do que o necessário (praticamente sentado no seu colo, com nossos ombros espremidos um contra o outro). Consigo vê-lo me lançar um olhar com sua visão periférica, antes de voltar a encarar os marshmallows enfiados na ponta de um espeto, estendido sobre a enorme fogueira.

     — .... Não demorou muito para os espíritos deles começarem a serem vistos na beira da estrada... — Um menino continua contando sua história assustadora, bastante empolgado e usando uma lanterna para deixar o clima ainda mais sombrio, mas pra falar a verdade, eu não presto atenção nas suas palavras e apenas penso sobre por onde devo começar as minhas desculpas.

      — Oi. — A palavra escapa dos meus lábios um segundo depois, e eu não sei o que dizer. Ele olha para mim com sua visão periférica, para então focar seus olhos no garoto que está contando a história, embora eu saiba que ele não está prestando atenção.

     — olha Victor, eu... Queria te pedir desculpas pela outra noite. Eu não estava num bom momento... E-e sei que isso não justifica, mas queria falar que gosto de ser seu amigo, e não quero perder isso porque fui um babaca. — Explico, tentando encontrar as palavras certas e me embaralhando repetidas vezes no processo.

       Victor vira o rosto todo na minha direção dessa vez, me encarando por alguns segundos, antes de confirmar levemente com a cabeça e voltar a encarar os marshmallows. Eu encolho um pouco os meus ombros, achando que ele não me desculpou e que vai continuar me dando gelo, mas então ele estende o graveto com os marshmallows para mim.

     — Toma. — Ele coloca o espeto na minha mão quando eu não faço nenhum movimento para pegá-lo. Alterno o olhar entre o seu rosto os doces que estão meio derretidos, igual um débil metal.

     — Estamos de boa, então? — minha voz esperançosa sai quase inaudível.

     — Sim, Luther. Mas da próxima vez que me tratar feito um merdinha, eu vou te dá uma surra, entendido? — Ele pergunta, com a sombra de um sorriso nos lábios.

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O BEIJO DO OCEANO (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora