CAPÍTULO 23

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   A casa é completamente diferente das outras, como eu havia imaginado antes. Ela se parece bem mais com uma caverna do que com aquelas enormes construções de pedra polida que vi lá atrás.

     — A entrada é aqui. — Wyatt nada até um buraco circular no chão, mergulhando fundo e desaparecendo do meu campo de vista logo em seguida. Eu mergulho também, com cuidado para não machucar a minha cauda nas deformações da rocha, porque o buraco é bastante estreito e um tanto claustrofóbico.

       O túnel sobe pouco mais de um metro depois que entramos, dando lugar a uma caverna enorme e bem espaçosa, com mesas e camas dispostas no centro, e dezenas de prateleiras presas às paredes, onde há frascos, jarros e tigelas.

     — Essa é Leav. — Ele aponta para o canto, onde percebo pela primeira vez uma mulher de idade. O cabelo dela é totalmente branco, e apesar de ter alguns pequenas rugas sob os olhos, ela não parece ter mais que uns quarenta anos. A sua cauda é totalmente cinzenta, sem nuances de qualquer outra cor mescladas a ela.

      Percebo também que ao invés de pérolas e pequenos diamantes, os seus colares são repletos de pequenas pedras negras, que provavelmente são de obsidiana.

       Ela parece uma feiticeira (não no mal sentido). Só faltou um caldeirão e um olhar sombrio no rosto atemporal e meio frio.

     — Oi. — Aceno para ela, enquanto Wyatt me leva para mais perto, passando por algumas mesas e nos aproximando de lá.

     — Olá. — Ela responde, alternando o olhar entre mim e Wyatt. Sua expressão se suaviza quando ela encara Wyatt, como uma expressão maternal, ou sei lá.

     — Esse aqui é o Luther. — Wyatt murmura, inclinando a cabeça na minha direção enquanto fala. A mulher foca em mim, analisando a minha cauda por alguns instantes, antes de voltar a encarar o meu rosto.

     — Olá, Luther. Você é... Diferente. — Ela diz, com certa curiosidade.

    — Ele é um humano. — Wyatt solta, simplesmente. Eu arregalo os olhos e o encaro, enquanto ele simplesmente dá de ombros e acaricia a minha cintura.

      Leav parece tão surpresa quanto eu por ele ter falado isso. Ela abre e fecha a boca uma dezena de vezes, antes de assentir levemente com a cabeça.

    — Bom... Isso explica muita coisa. Querem me contar como isso aconteceu? — Ela diz, enquanto vira de costas e começa a organizar alguns frascos e potes em cima de uma das mesas.

     — Um beijo. — Wyatt diz. Nós dois nos encaramos em silêncio, e as suas bochechas assumem um leve rubor, assim como as minhas provavelmente devem estar também.

     — Aaah... Isso explica muita coisa. — Leav repete, então nós nos aproximamos um pouco mais dela.

     — P-pode explicar pra gente o que aconteceu? — Começo, meio sem jeito. Wyatt assente levemente com a cabeça e senta numa cadeira perto da parede. Eu nado até lá e faço o mesmo, sentando ao seu lado, não querendo ficar plantado aqui no meio do cômodo como um bobalhão.

     — O beijo do tritão. — Ela começa com uma expressão sonhadora no rosto, como se tivesse perdida em meio aos próprios pensamentos. — Ele concebe algo praticamente impossível. O poder de se transformar em um dos nossos. Não acreditamos em magia ou coisas desse tipo, mas isso com certeza é o mais próximo que temos disso.

     — E como eu volto ao normal? — Gaguejo, enquanto Wyatt acaricia o meu pulso com a ponta dos dedos.

     — É impossível desfazer. "Isso" é o seu novo normal agora. — Ela olha por cima dos ombros e me encara. Noto pela primeira vez que os seus olhos também são de um cinza frio, como se ela fosse cega.

     — E como eu vou viver com isso? — Exclamo, tentando não soar como se isso fosse uma maldição ou algo assim porque pode ofende-la e fazer com que Wyatt se sinta mal.

     — Você não consegue alterar entre as duas formas? Está preso nesse corpo?

      — N-não, mas...

     —  Então por que está tão assustado? Isso é uma benção concedida à você. Se quiser viver como humano, viva como humano. Se quiser viver como um dos nossos, o mar está de braços abertos pra você. — Ela me interrompe. Eu abro a boca para citar as inúmeras cenas em que isso pode dá muito errado e prejudicar tanto a mim quanto a sua espécie, mas ela parece pronta para rebater tudo que eu tenha a dizer.

     — Existe outra parte da lenda sobre esse beijo, mas isso Wyatt poderá te falar, quando ele mesmo descobrir sobre. — ela diz, nos dispensando com um leve aceno de mão.

       Wyatt e eu nos encaramos por alguns instantes, antes de nos levantarmos e agradecermos a ela pelas explicações. Nós começamos a nadar até a entrada do túnel, saindo da caverna poucos segundos depois.

     — Ela é a curandeira da colônia. — Ele Sussurra para mim assim que saímos da caverna e voltamos para o enorme paraíso subaquático. Eu apenas confirmo levemente com a cabeça e o sigo, enquanto ele nada em direção as casas.

     — Para onde estamos indo agora? — Pergunto depois de algum tempo em silêncio. Há algumas sereias e tritões jovens brincando com um jogo parece com futebol poucos metros a frente, só que eles usam a cauda no lugar dos pés (obviamente), e a bola parece ser um pequeno arbusto entrelaçado com diversos outros.

     — Eu vou te mostrar toda a colônia, ué. — Ele me dá um empurrãozinho brincalhão, me fazendo revirar os olhos.

      — Okay okay. Vamos lá então, guia. — devolvo o empurrão, fazendo-o soltar um rosnado baixinho.

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O BEIJO DO OCEANO (COMPLETO)Where stories live. Discover now