Fell It All

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"Queridos Tom e Bill

Já se passaram cinco meses desde que partiram. Me pego perdida na escuridão, sem entender porque o destino teve que ser tão cruel comigo. Já não foi suficiente tudo o que me tirou? Não foi suficiente todas as dores que passei e tudo que aguentei ao longo da vida? Se os destinos fossem uma pessoa, com certeza socaria a cara dela. Bateria tão forte, até minhas mãos sangrarem, como fizeram comigo. 

Meu pai e Ellie se mudaram para cá, para nossa casa. Assim como tia Pam e tio Wayne. O que falaram quando comunicaram que ficariam aqui, é que eu não estava conseguindo cuidar de mim, muito menos das crianças. Não respondi nada e sei que eles não esperavam que dissesse alguma coisa. Não falo uma palavra há cinco meses. Com ninguém, nem com nossos filhos. Apenas balanço a cabeça quando eles dizem alguma coisa, mesmo eu não escutando na grande maioria das vezes. Sei que ficariam decepcionados comigo agora, mas, sinceramente, não me importo. 

Quando voltei para casa, depois do hospital, esse quarto ficou muito vazio, a cama fria e todo o resto solitário. Não consegui dormir no primeiro dia. Nem no segundo, nem no terceiro e quarto dia, mas no quinto, sem vocês e sentindo meu coração em ruínas, deixei a exaustão me consumir. E então, eles voltaram com força total. 

Meus pesadelos. 

Antes eu sonhava com dois bebês sangrando em meus braços, mas agora, são vocês que seguram eles. Começam a chorar sangue, seus olhos ficam vermelhos e pedaços das suas peles começam a cair do rosto. O calor a ficar insuportável e sufocante, então vocês avançam sobre mim. Na primeira vez que acordei do pesadelo, gritei tanto que acordei a casa inteira. Estava ensopada de suor e com arranhões nos braços auto infligidos. Meus tios, meu pai e Ellie, as crianças, os seguranças, todos eles correram até mim nos primeiros dias. Mas, embora os terrores noturnos continuassem, a visita deles pós-tortura-nos-sonhos diminuiu. E não os culpo! Por diversas vezes eles perguntam o que eu sonho, porquê me machuco, mas não respondo. Não consigo dizer que os vejo. Que os vejo morrendo. Então, apenas me deito, viro e finjo dormir novamente, mesmo nunca conseguindo. 

Cassandra e sra. Jones diariamente vêm me ver. Na grande maioria das vezes, elas que puxam para sair da cama, tomar um banho e me alimentar, mesmo eu não conseguindo manter a comida por muito tempo na barriga. Certa vez, sra. Jones me obrigou a tomar uma sopa, pois estava há dias sem comer. Ela chamou de "caldo mágico" e sorriu para mim, e por mais que não consiga ver por baixo do véu, sei que foi aquele sorriso que sempre me recebeu e eu retribuía. Mas agora, não consigo. Meu corpo já não me pertence mais, pertence ao lago, ao véu. Estou ali apenas por estar. Apenas continuei olhando para onde suas mãos seguravam o prato. 

"Abra a boca" disse, mas não o fiz. 

Ela colocou, de forma delicada, a colher entre meus lábios e virou o líquido. Consegui engolir um pouco, mesmo machucando minha garganta. Ela repetiu mais algumas vezes e apenas aceitei. Meu estômago embrulhou, então acabei vomitando na roupa de cama e na sra. Jones. Em outros tempos, me encolheria de vergonha e pediria mil desculpas, mas agora, não senti nada. Não foi de propósito, jamais faria isso para atingi-la e acho que ela percebeu. Suas mãos são ágeis e puxam o cobertor, mas o seguro. Ela puxa de novo e o seguro de novo. 

"Sra. Kaulitz, preciso lavar a coberta" 

Seguro ainda mais forte e meus olhos ardem e machucam. Não permito lavarem a roupa de cama, pois o cheiro de vocês ainda está aqui e não queria perder isso. Mas, ela puxou novamente e o pano escapou dos meus dedos. Vejo a coberta sendo enrolada em uma bola e me levanto para pegá-la de volta, mas minhas pernas não se sustentam e caio. Não sinto nada. 

"Vou trazer a coberta de volta, eu prometo, só preciso tirar o vomito" 

Ela diz de forma gentil, mas eu só conseguia chorar. Só conseguia pensar que o cheiro de vocês sumiria e eu esqueceria como era... como era e vocês. 

"O que está acontecendo aqui?"

Alguém entra no quarto, me tira do chão e coloca na cama. "Bia se acalma, por favor" a voz pedia, mas eu não conseguia. Não conseguia me acalmar, não conseguia parar de chorar, não conseguia parar de sentir demais. 

"Acho melhor ela tomar um banho, e-eu já preparei a banheira" sra. Jones diz a quem me colocou na cama. 

Então, dou um solavanco para cima e sinto me mover, mas sem fazer esforço. Alguém me carregou no colo, mas não faço ideia de quem era. Não conseguia ver. Só conseguia pensar que o cheiro de vocês sumiria de vez. Que todos os resquícios deixariam de existir. 

Sra. Jones me vira de frente para ela e puxa minha blusa para cima. "Meu Deus do céu" ela diz e percebo sua mão tremendo quando toca minha barriga. O restante da minha roupa é tirada, então sigo suas ordens. 

Levante a perna. 

Coloque dentro da banheira. 

Levante a outra perna. 

Coloque dentro da banheira. 

Se abaixe.

Ela desfaz os nós do meu cabelo, os lava e depois me ajuda a lavar meu corpo. Puxo os joelhos para o peito e fico nessa posição até sentir a água esfriar. Não me movo. Não reclamo. Não diga nada. Mas sinto tudo! Ela me ajuda a sair e enrola uma toalha em meus cabelos e enfia um pijama em meu corpo. Engulo em seco quando sento na cama e as cobertas pretas com o cheiro de vocês, foram substituídas por brancas e com cheiro de amaciante. Sra. Jones seca meus cabelos e com toda delicadeza, me deita na cama. Por baixo do véu consigo vê-la ir até a porta e falar com alguém. Fecho os olhos, mas as palavras que escuto fazem com que mais lágrimas saiam dos meus olhos.

"Isso não pode continuar." 

"Não podemos fazer nada agora." 

"Você viu os ossos saltados no corpo dela" pausa "Ela deve estar pesando o quê? Uns quarenta quilos, isso sendo bem otimista?" 

"Temos que esperar tudo ser resolvido, Gail. É para a proteção dela!"

"Não tenho mais certeza se haverá Bianca até lá." silêncio "Não tenho nem certeza se ela ainda está ali."

"Claro que está, Gail!"

"Estou com medo, Taylor. Medo por ela, de perdemos essa menina."

"Isso não vai acontecer!" 

"Os relatórios estão sendo passados?" silêncio "Encontrei uma coisa..." a porta se fecha e eles se afastam. 

Não sei o que eles quiseram dizer com tudo isso, mas agradeci quando o silêncio voltou. Mesmo mal escutando o que  dizem. 

Estou tão cansada, tão cansada! Não entendo porquê os deuses não me levam logo, porque ainda permitem que eu continue... existindo. Estou vazia, Tom. Estou sofrendo, Bill. Estou corroída, destruída, esfacelada. É como se eu estivesse indo contra tudo. 

Contra o amor.
Contra a luta.
Contra o sol. 
Contra a lua. 
Contra as regras.
Contra a força.
Contra a parede.
Contra tudo. 

Meu coração bate, mas não me importo. 

Saudades demais!

Sempre de vocês.

B."

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Nome do capítulo e o último trecho é uma música do álbum "Kings Of Suburbia" dos nossos piticos. E na minha opinião, é um dos melhores da carreira deles! 

Beijo.

S.

Criminous Paradise | TOM E BILL KAULITZOnde histórias criam vida. Descubra agora