Capítulo 8

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Saulo

— Pode ficar lá em casa o tempo que desejar.

— Obrigado, mas estava pensando em algo mais perto do hospital. Estou acostumado a morar sozinho, sabe como é. Fico grato pelo convite, amigo. Vou procurar um apartamento mais perto, algo não muito grande.

— Tenho um apartamento desocupado e tem uma excelente localização, poucas quadras do hospital, dá para ir a pé. É um duplex no último andar e tenho certeza que vai amar, e pode fazer o que quiser com ele. É seu.

— Muito obrigado, Saulo, fico feliz em não ter que me preocupar em procurar um lugar para morar. Eu aceito sim.

— Que maravilha, vou passar o telefone de uma decoradora, coso queira fazer algumas mudanças e deixar do seu gosto. Vou pedir para a minha secretária enviar algumas fotos do apartamento e o telefone da Nathália, a decoradora.

Conversamos mais algum tempo sobre o trabalho e desliguei a chamada que estava fazendo com o meu sócio Fernando. Um sorriso se formou ao constatar que estava tudo indo conforme planejado. Fernando seria vizinho da Suellen, melhor impossível. Longe do local de trabalho obviamente os dois teriam mais tempo para se conhecerem melhor. Fernando era o homem certo para a minha filha, ela podia não ver isso como eu via, mas tinha certeza que os dois logo estariam juntos e eu poderia descansar em paz.

Guardei o celular no bolso e estava entrando no elevador quando vi um jaleco branco correndo pelo corredor desviando das pessoas. Fiquei para dar uma repreensão em quem quer que fosse. Quando se aproximou reconheci Júlia e todo seu brilho e beleza.

— Doutor Saulo, ligaram do HGL, encontraram um coração compatível para o seu paciente, Benício Rodrigues.

Observei o seu sorriso largo e os seus olhos brilhantes, algo dentro de mim se irritou com a sua beleza extraordinária, jovialidade e alegria aparente. Essa garota estava me deixando doido desde aquele beijo dentro do elevador. Eu não pensava em outra coisa, por isso tudo nela me irritava.

Não me orgulho de ter agido feito um idiota quando percebi aonde aquele beijo poderia nos levar. As reações do meu corpo ao simples beijo foram assustadoras para mim. Um descontrole que não estou acostumado a sentir, por isso classificar a loucura que foi a junção dos nossos lábios como simples é tão errado quanto querer novamente. Fugi dela, e me envergonho disso.

No dia seguinte, quando nos encontramos no café da manhã tentei me desculpar na primeira oportunidade que ficamos sozinhos, mas acabei dizendo o quanto tinha sido errado beijar a melhor amiga da minha filha 17 anos mais jovem e que precisávamos esquecer. Surpreendi-me quando ela disse que não era nenhuma criança e que havia entendido na primeira vez que tinha dito na noite anterior. Para terminar ela disse que eu não precisava fazer disso grande coisa, pois não havia sido. Isso mexeu com o meu ego, pois se para ela não havia sido grande coisa, para mim tinha sido perturbador e impossível de esquecer.

— Por isso você veio correndo quase causando um acidente? Não podia ter ligado? Existe uma coisa chamada telefone, doutora. Já ouviu falar?

A forma fria com que falei não fez seu sorriso idiota desaparecer.

— Eu tentei, mas não atendeu, sua secretária não estava aqui, liguei para ela que também tentou ligar para o senhor.

— Por isso correu feito uma doida.

Entramos no elevador e apertei o botão do andar para onde estava indo. Era ainda mais difícil estar dentro do elevador sem lembrar do nosso beijo. Impossível.

— Não podemos esperar muito. O helicóptero com o órgão chega em breve e... Estou feliz por ter aparecido um doador.

— Está feliz por alguém ter morrido, Doutora Júlia?

Estar outra vez dentro de um elevador com ela estava mexendo comigo. O que não era nada bom.

— Não eu... — ela parou de falar e olhou-me sem entender.

Inferno! Será mesmo que não importava nem um pouco? Pensar que não tinha sido nada de mais para ela estava me deixando puto.

— Não pensou que para surgir um doador alguém teve que morrer? Não deveria comemorar a morte, nem mesmo quando ela supostamente salvará uma vida — respondi saindo do elevador com ela ao meu lado.

Júlia olhou-me chocada como se eu tivesse dito o pior absurdo do mundo. Esperei pela resposta ácida que ela sempre dava quando levava alguma repreensão, mas calou-se como se concordasse com o que eu disse. Ela empalideceu parando de andar e ficando alguns passos atrás de mim.

— Doutora?

— Não estou comemorando a morte, só me apeguei ao paciente e fiquei feliz por ele ter uma chance de viver. Isso graças a um... eu procuro não pensar sobre a morte. Prefiro a vida.

Ela tinha razão. Estava saindo de mim em todos os níveis, pensar sobre a morte ou a vida naquele momento não foi algo que me fez bem.

— O avanço da medicina é maravilhoso. Ter a possibilidade de salvar a vida de alguém com um transplante é a coisa mais incrível do mundo, mas não podemos esquecer que alguém morreu deixando uma família sofrendo pela perda. Alguém com sonhos e planos teve que morrer. E no caso desse doador em questão é ainda mais chocante por se tratar de uma criança. Parou para pensar nisso?

— Tem razão. Vou refletir mais sobre isso. Posso dar a notícia para ele?

— Não, deixe isso comigo.

— Posso participar do procedimento?

Encarei seus olhos aflitos e esperançosos e percebi que ela estava mais apegada ao menino do que o permitido para uma cirurgiã.

— Não. Por mais que seu trabalho seja excelente, você se apegou demais a esse paciente. Não vou deixar que entre na minha sala de cirurgia com tantas expectativas, doutora.

— Eu não... eu... participei de toda o tratamento dele, da luta por esse transplante, então Dr. Saulo, eu mereço estar naquela sala — afirmou petulante.

— Vai conseguir se manter imparcial se não der certo? Se o paciente morrer na mesa? Se houver rejeição durante a recuperação?

— É claro que sim. Não é porque me apeguei a ele que deixei de ser a profissional que venho lutando para ser.

Não era possível que ela iria ficar discutindo comigo. Precisava mostrar quem mandava naquele lugar.

— Olhe dentro dos meus olhos e diga que não vai ficar mal se esse menino morrer? — inquiri me aproximando ficando a centímetros dela. O que foi um erro, pois seu cheiro tomou conta dos meus sentidos e percebi que entregaria tudo que ela quisesse.

Júlia engoliu em seco e piscou demonstrando que minhas palavras, ou minha proximidade, haviam desestabilizado. Levou um tempo até ela respirar fundo e responder a minha pergunta.

— Estou preparada para qualquer cenário possível.

— Não é o que eu vejo, então, Doutora Júlia, está fora desse caso — ordenei vendo a raiva tomar conta de seu rosto.

Ela arrumou a postura, ergueu o nariz em desafio, abriu e fechou a boca, mas me deu as costas saindo sem falar nada. Entretanto, o que me deixou com mais raiva e surpreso foi a gargalhada que ela deu enquanto se retirava.

A filha da puta estava rindo de mim? 

Corações Proibidos - A paixão secreta do médicoWhere stories live. Discover now