Capítulo 7 ou "Encurralada"

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Nada novo sob o sol no que diz respeito às festas do Carlinhos.

Tudo estava exatamente como eu me lembrava. Sua mansão em arquitetura escandinava ainda era a mesma: casa térrea, de paredes brancas e móveis em madeira rústica e acessórios em cores primárias vibrantes, demasiado iluminada até mesmo à noite. Na área externa, luzes de brilho azulado davam um ar fantasmagórico ao ambiente que caía perfeitamente bem, a dizer dos adolescentes bêbados tomando cerveja enquanto se faziam confortáveis de roupa e tudo dentro da piscina. A música também era o de sempre, e nada além de esperado em festas de interior: sertanejo universitário, gentilmente cedido pelo pen drive de alguém.

Dolores e eu definitivamente estávamos arrumadas demais para aquele tipo de evento, e isso atraía uma atenção indesejada para mim, e glorificante para ela. Caminhávamos pela festa e absolutamente todos os olhares e alguns indicadores apontavam para nós, e eu não sabia dizer se era pela Letícia da Nóbrega couture, ou pelo fato de que, bem...

Eu resolvera dar as caras.

Em poucos minutos encontramos João Jordan, visivelmente alterado pelas sei lá quantas cervejas que já havia ingerido. Ele estava murmurando ininteligivelmente algo sobre uma garrafa de bourbon roubada do pai do Carlinhos, mas eu não estava interessada. Estava ocupada demais cobrindo meus próprios braços com as mãos, visto que já estava me sentindo despida por todos aqueles olhares acusatórios. João me ofereceu um gole do que estava bebendo, e eu recusei, pois até onde eu me lembrava amarelo não é cor de uísque, e o conteúdo do copo dele estava mais para gasolina do que para algo que pode ser ingerido por seres humanos.

- Qual é, Vale, relaxa. A festa não pode ser pior do que a escola. - sugeriu João, tentando ser engraçadinho. Eu ainda não pudera avaliar qual das situações eu qualificaria como sendo a pior de todas, mas aquela festa estava chegando muito perto de ser a campeã. Na escola, onde as pessoas não estavam munidas de coragem alcoólica, ainda havia algum receio ao falar de mim, ou seja, pelo menos as pessoas se davam ao trabalho de cochichar e só apontavam quando eu não estava olhando. Na festa, por outro lado, se televisionassem a minha chegada eu não teria tanta audiência quanto estava recebendo.

- Eu sei o que pode fazer você se sentir melhor. - Dolores ergueu as sobrancelhas para João, e ele entendeu, tirando do bolso um pequeno envelope, meio amassado, o qual agitou perto do meu rosto com olhares sugestivos. Eu sabia do que se tratava, e aquele gesto fora o suficiente para que eu acreditasse que aquela festa seria o pior momento em Viveiro desde o meu retorno.

Costumávamos fumar maconha o tempo todo quando eu vivia na cidade, antes do incêndio. Nos achávamos muito legais por isso, afinal, não era qualquer um que conseguia ter acesso àquele tipo de coisa. Você tinha que conhecer alguém, de preferência maior de idade, que pudesse ir até os vendedores fronteiriços entre Viveiro e alguma cidade que vendesse drogas, porque não existia tráfico por aqui. Tínhamos muito orgulho de chegar a festas do Carlinhos chapados, e nos gabávamos disso para um público impressionável, e tudo isso agora parecia absurdamente imbecil. E eu não sabia se eram os eventos recentes – o fato de eu ser objeto de uma investigação criminal, por exemplo – ou se eu tinha mudado em Vitória, mas eu não queria mais ter contato com nada que fosse ilícito.

- Eu não uso mais essas coisas, João. - falei séria, mas não fui levada a sério.

- Valéria, é só maconha. - argumentou ele – Não é como se a gente nunca tivesse usado.

- Eu sei. Eu só não uso mais. - mantive a firmeza de minhas palavras enquanto ele insistia em agitar a erva na minha cara até que ele finalmente desistisse. Ele parecia decepcionado, porém bêbado demais para se importar.

Quem Brinca Com FogoWhere stories live. Discover now