Capítulo 33 ou "Invasão de domicílio"

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Tão logo quanto o sol decidiu sumir do céu, Lucas, Nicholas e eu nos embrenhamos pelo beco que levava até os fundos da Mansão Leal. Vestidos apenas com a roupa do corpo, sem mochilas para não chamar atenção e sem celulares para que não pudéssemos ser rastreados, caminhamos pé-ante-pé pelo caminho oposto ao que geralmente fazíamos para adentrar as festas típicas do Carlinhos. Ainda que não tivesse ninguém em casa, e que ela fosse tão grande de modo a ocupar a rua quase toda, não poderíamos arriscar que alguém nos visse tentando arrombar o portão principal, e a maneira mais discreta de invadir a Mansão era pelos fundos.

Eu nem acreditava que estava tendo esse tipo de pensamento. Não depois de tanto tempo tentando convencer meio mundo de que eu não era uma delinquente juvenil.

Eu mal chegara na calçada do portão de trás e já tinha quase certeza de que não conseguiria prosseguir com aquilo, já que a ansiedade transformava meus joelhos em gelatina e minha garganta impedia que até mesmo palavras de desespero a atravessassem. Soube que não era a única perdendo a cabeça quando percebi que Nick estalava os dedos sem parar e Lucas ficava achatando o cabelo na testa com as mãos, em vez de tirar displicentemente com um aceno de cabeça como sempre fazia.

Nos fundos, as únicas coisas que separavam a calçada do quintal eram um portão eletrônico e um muro nem tão alto, mas efetivamente não o suficiente para que eu o pulasse sem ajuda, por isso eu teria de ir primeiro. Lucas juntou as mãos para me dar suporte, e eu pisei com meu tênis sobre elas; seguindo suas instruções, contamos silenciosamente até três, eu indiquei com o olhar que estava pronta e ele me impulsionou em direção ao topo do muro. Agarrei a parede texturizada com os dedos, sem me preocupar com o incômodo nas minhas palmas, passando a perna direita desajeitadamente para a o outro lado.

Parei por um segundo, uma perna de cada lado do muro, me sentindo ao mesmo tempo estúpida e empolgada. Apreciei a linha tênue que separava o arrependimento da loucura que eu estava prestes a cometer. Meu coração estava tão acelerado que eu suspeitei que pudesse me derrubar lá de cima. Aguardei alguns segundos, esperando que um alarme soasse. Eu quase ri de mim mesma lembrando que aquela cidade era Viveiro e ninguém, nem mesmo alguém podre de rico como um Leal, se incomodaria em gastar um tostão com alarmes. O pensamento estava longe de ser reconfortante, mas certamente era o suficiente para que a minha respiração voltasse a um ritmo aceitável. Levantei a perna esquerda e as juntei pela parte de dentro do muro, e lancei um último olhar por sobre o ombro indicando a Nicholas e Lucas que eu iria pular.

Eu milagrosamente manejei cair sobre os meus dois pés, e não sobre a minha própria cara.

O quintal dos fundos não era tão impressionante à luz do dia. Ao menos não tanto quanto o parecia quando eu estava bêbada em uma das festas de Carlinhos. Na verdade, não passava de um gramado extenso com uma piscina proporcionalmente extensa, e umas mesas estilo de piquenique por todas as partes. Lancei um olhar direto para a construção principal da casa, onde uma das câmeras de segurança se virou diretamente para me encarar.

Oi David, eu pensei. Dei um aceno imperceptível com uma das mãos para que ele soubesse que eu podia vê-lo. Era um conforto saber que alguém olhava por nós do lado de fora da casa, mesmo que ilegalmente. E era mais reconfortante ainda saber que todas as imagens da nossa invasão seriam apagadas por ele antes que pudéssemos nos meter em problemas.

Nicholas aterrissou ao meu lado com um baque surdo e eu, que quase me esquecera que estava acompanhada, saltei imperceptivelmente no meu próprio eixo com o susto; ele depositou a mão sobre meu ombro e me lançou um olhar firme.

Lucas veio em seguida, porque era o único que não precisava de ajuda para saltar por sobre o muro. Pelo menos para alguma coisa servia seu treinamento no colégio militar, pensei com ironia. Nos entreolhamos como quem diz "nós vamos mesmo fazer isso?", mas os três de nós já sabiam bem que agora não tinha como voltar atrás. Já havíamos invadido a casa da família mais rica e influente de Viveiro, então, era melhor darmos um jeito de conseguir o que queríamos.

Quem Brinca Com FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora