Bônus 1 ou "Indefeso"

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Mesmo depois de quase dez horas de um sono sem sonhos, eu ainda estava cansado. Aparentemente, depor em favor da sua ex namorada diante de um juiz, para evitar que ela passasse os próximos meses em prisão domiciliar consumia todas as energias de um cara de dezessete anos. Em razão disso, eu decidi logo cedo que traria o violão para a escola, e a música daria conta de fazer o que dormir não fizera: me relaxar.

Dedilhei algumas notas, tentando buscar um pareamento para a melodia que tocava na minha cabeça há alguns dias, mas nada parecia adequado. Vez ou outra, quando um acorde não soava terrível, eu o anotava num caderno à minha frente. Minha concentração, no entanto, estava tendendo ao nada, com toda aquela gente passando para lá e para cá, mas eu não considerava ir para outro lugar. Por estar sentado em um banco às portas da Fundação, eu conseguia ver perfeitamente quem entrava e quem saía da escola sem parecer esperar por alguém.

E eu não estava realmente esperando por alguém.

Eu só... queria me colocar convenientemente no campo de visão daqueles que entrassem, caso tivessem interesse em falar comigo.

Quase arrebentei as cordas do violão quando duas mãos macias e geladas cobriram meus olhos. Eu não tive nem um segundo de dúvida em meu favor, pois a voz aguda de Sarah atingiu os meus ouvidos quase que de imediato.

- Adivinhe quem é.

- Sarah. - resmunguei, inquieto, mas ela não pareceu se importar. Me contornou e sentou-se ao meu lado, após me dar um beijo rápido nos lábios. - Bom dia. - eu entoei, tentando parecer menos antipático.

Minha namorada logo começou a tagarelar sobre um assunto que não me interessava, e mesmo que me interessasse, minha atenção fora completamente capturada pela chegada do carro do meu primo Alan ao estacionamento de professores. De dentro dele, saíram às gargalhadas Alan, Valéria e Zacarias – ou era o que João me dissera mais cedo. Não me incomodei em antipatizá-lo. João garantira que Zaca era um cara legal, e até onde eu sabia, ele fazia bem para Valéria.

Não que eu me importasse realmente com o que fazia bem para Valéria.

- Você se incomodaria em me explicar por que a incendiária está andando livremente pelas ruas com esse não sei quem, quando deveria estar enfiada dentro de casa? - falou uma Sarah cheia de rancor, e só então eu me dei conta de que não havia trocado uma palavra com ela sobre a audiência do dia anterior.

- Reclusão domiciliar é só para suspeitos que são perigosos para a sociedade, Sarah. - respondi, dedicando a minha atenção quase que total ao fato de que Zacarias e Valéria andavam na direção oposta do colégio, e Valéria tinha uma câmera nas mãos. A conhecendo como eu conheço, provavelmente dissera ao pai que pegaria carona com Alan até o colégio, só para não levantar suspeitas quando fosse matar aula para fotografar com o filho do padrasto em alguma praça abandonada na cidade.

E Alan, sendo o puxa-saco de Valéria que sempre fora por razões misteriosas, daria um jeito de justificar sua falta na escola para que ela não se encrencasse no processo cautelar.

- E incendiários de escolas de Ensino Médio não são perigosos? - insistiu Sarah.

- Vale não é incendiária.

- O quê?

- Sarah...

- Até ontem você não conseguia nem dizer o nome dela, e agora além de Valéria ser "Vale", - ela entoava o apelido com escárnio – ela não é incendiária?

Franzi o cenho e torci os lábios.

- Eu... meio que disse ao juiz... que não acredito que Valéria tenha de fato...

Quem Brinca Com FogoWhere stories live. Discover now