Capítulo 18 ou "Tímida"

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– Sabe, – eu coloquei a cabeça para fora do edredom, aos berros– convencer Dolores a encher o meu saco até eu concordar com você não é exatamente encorajador, pai.

Minha melhor amiga soltou uma risada espirituosa ao atravessar a porta do meu quarto, basicamente porque ela sabia que o que eu dizia era a verdade. Era uma antiga praxe entre Arthur e Dolores, se unir contra mim quando queriam me convencer de alguma coisa, numa rebelião para me vencer pelo cansaço (que geralmente dava certo).

– O próximo passo é ligar para sua mãe, e te colocar no telefone com Zacarias! – gritou meu pai porta afora, e eu pisquei lentamente para sua chantagem emocional. Zaca era, de longe, a pessoa com a maior suscetibilidade a me convencer de qualquer coisa, mas não me parecia justo tirá-lo de seus problemas (entenda-se reabilitação, vestibulares e novo relacionamento) para socorrer a minha falta de vontade de viver a vida.

– Então! – exclamou Dolores, removendo o cachecol do pescoço e atirando-o na minha cama, só para logo em seguida cobrir as pernas com a ponta do meu cobertor – Aparentemente, sua vida se resume a ir àquela droga de escola, cumprir pena comunitária e trabalhar na lanchonete.

– La vie c'est belle. – respondi, mal humorada, debochando secretamente da obsessão de Dolores por soltar frases em francês ainda que ninguém que conhecêssemos realmente falasse francês, exceto por ela.

– La vie est belle. – ela me corrigiu, e eu revirei os olhos. Ao perceber que eu não faria nenhum esforço para continuar com aquela conversa, ela acrescentou: – Acho que está na hora de você fazer coisas novas.

– Ah, você acha? Cumprir pena é algo bem novo pra mim. – eu cruzei os braços, demonstrando toda a minha falta de humor – Estou cansada de coisas novas.

– Estava pensando em algo mais normal. Tipo sair de casa.

– Está frio. – justifiquei, me encolhendo em meus lençóis.

E estava mesmo. O inverno de Viveiro sabia ser bem cruel com seus habitantes, e mesmo que eu só tivesse passado um ano em Vitória, eu estava habituada a seu calor infernal e aquele vento gélido era demais pra mim.

– Sair com alguém. Tipo um cara.

Eu gargalhei em escárnio porque aquela piada era realmente muito boa, mas Dolores permaneceu me encarando. Ao que parecia, ela estava falando sério. Eu levantei uma sobrancelha.

– Você bateu a cabeça? – eu me sentei na cama e abracei os meus próprios joelhos, pensando na maneira adequada de dizer a ela que talvez ela precisasse de ajuda psiquiátrica – Quem vai querer sair comigo? Eu sou a Incendiária, lembra?

Foi a vez de Dolores levantar uma sobrancelha. Sendo a boa amiga que ela sempre foi, deslizou pelo edredom e sentou-se de pernas cruzadas na minha frente, colocando as mãos sobre meus joelhos. Eu sabia que isso significava que ela estava tentando ter uma conversa séria, e que a minha atitude áspera não faria com que ela desistisse.

Eu, que já conseguia estimar o que estava por vir, fechei os olhos e aguardei.

Ela ia usar a palavra L.

– Não adianta você ficar esperando o Lucas fazer contato. O cara sumiu do mapa. – ela ignorou o meu gemido de insatisfação ao ouvir o nome d'O-Avelar-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Sem qualquer misericórdia, ela prosseguiu: – Nicholas é uma incógnita, – meu rosto de contorceu, porque Lucas e Nicholas no mesmo argumento era demais para o meu pobre coraçãozinho – e não faça essa cara, você acha que eu não sei que sua mente voou direto para ele quando eu falei que você devia sair com alguém?

Quem Brinca Com FogoWhere stories live. Discover now