Capítulo 30 ou "Os segredos e seus fins"

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– Argh, Valéria, tira essa cara da cara. – João brincou por cima do hambúrguer que eu acabara de servir sobre a mesa da lanchonete em que ele decidira ter seu encontro; Dolores foi esperta o suficiente para não rir, considerando que eu podia muito bem cuspir no suco de um deles como forma simples de vingança. – Você está arruinando meu encontro.

– Pois essa é a minha lanchonete. – eu coloquei os guardanapos previamente requisitados na mesa com muito mais ênfase do que era realmente necessário – Se está incomodado, vá ter seu encontro em outro lugar. – respondi, azeda, e os olhos de ambos se arregalaram; acho que, como meu pai, eles esperavam que todo o mau humor pelo retorno de Lucas duraria bem menos do que estava durando.

Azar o deles se queriam insistir em passar qualquer tempo comigo enquanto eu estivesse no furacão de ódio dos últimos dias. Já que Lucas não parecia se afetar por ele, minha lógica interna funcionava assim: se eu tornasse a vida de todo mundo um inferno, talvez as outras pessoas conseguissem expulsar ele da minha cidade (já que a minha falta de receptividade não conseguia).

– Boa tentativa, capixaba, mas aqui é Viveiro. Não existe outro lugar. – ele deu de ombros, sugando o conteúdo do copo através de um canudo e erguendo as sobrancelhas sugestivamente. O jeito dele de me chamar de capixaba me lembrou irresistivelmente de Zaca e Zé, e do modo como eles tiravam sarro de mim logo que me mudei. Um aperto de saudade me causou o reflexo imediato de querer ficar sozinha.

Quando eu preparei para me dar as costas por falta de paciência, João segurou meu pulso e me puxou de volta, forçando-me a sentar junto deles.

– Eu não estou com humor, João. – eu resmunguei, contrariada, mas dobrando os joelhos e puxando uma cadeira mesmo assim.

– E desde quando um simples Avelar tem todo esse poder sobre você? – ele deu uma piscadinha, tentando me encorajar.

– Desde sempre. – eu respondi sem perceber que já estava debochando de mim mesma, tirando uma página do livro de comédias baratas de João Jordan. E até tentei segurar o riso mordendo o lábio, mas já era tarde demais. João já assumira sua melhor postura de vitorioso no quesito devolver-sorrisos-ao-meu-rosto, e Lores já o parabenizava com um breve aceno de cabeça por isso.

– Pelo menos ele está bem, certo? – falou ela pela primeira vez naquela noite, e pela primeira vez sobre Lucas desde que ele voltara do desaparecimento – A sua preocupação era que tivesse acontecido algo com ele, certo?

– Você não conhece sua melhor amiga? – João fez um gesto irritadiço com uma das mãos, e eu descansei a cabeça sobre as minhas, apoiando os cotovelos na mesa – A preocupação dela está longe de ser essa.

Só Dolores para achar que eu não era tão egoísta a ponto de me preocupar comigo mesma antes de pensar em Lucas.

De fato, o meu primeiro pensamento com o sumiço de Lucas não foi, nem por um instante, preocupado com seu bem-estar. Lucas sabia se cuidar muito bem, e, mesmo que não soubesse, ele estava distante o suficiente do caos que se tornara a minha vida para que eu chegasse a pensar que ele poderia ser um problema. Ao contrário de Nicholas, João e Dolores, por exemplo, que estavam bem no olho do abalo sísmico que Carlos Henrique se tornava.

A primeira coisa que eu pensei era que ele tinha desistido de mim. Provavelmente porque eu mesma desistiria, se pudesse.

– Eu só queria que ele desaparecesse. – desabafei, ainda com a cabeça baixa.

– Isso não faz sentido. – Dolores comentou – Tudo o que eu ouvi nos últimos meses é o nome de Lucas e o quanto você o queria de volta, e agora você quer que ele se vá?

Quem Brinca Com FogoWhere stories live. Discover now